Política
Para chefe de propaganda de Bolsonaro, mídia é parceira na Previdência
Fabio Wajngarten exalta ‘boa vontade’ dos veículos para explicar a verdade, mas números do governo mostram que o pobre pagará a conta


A reforma da Previdência avança lentamente no Congresso, mas não é por falta de apoio da imprensa. O governo acredita que a mídia tem sido parceira nessa batalha. “A gente tem tido boa vontade pelos veículos de comunicação de explicar a verdade”, disse o secretário de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, durante uma audiência pública no Senado em 28 de maio.
Explicar a “verdade”? Em março, ali mesmo no Senado, o comentarista econômico Eduardo Moreira debateu a reforma e declarou: “Você vê o quê (no noticiário)? Brancos, ricos, no ar-condicionado, comentando a questão da Previdência… Quantos negros foram ouvidos? Quantos representantes dos trabalhadores rurais?”
Números fornecidos pelo próprio governo em abril, depois de tentativas de mantê-los escondidos, também desmentem a “verdade” oficial. O combate a privilégios proclamado pelo governo corresponde a menos de 20% da reforma. O grosso da conta será pago pelos mais pobres.
A equipe econômica espera poupar 1,2 trilhão de reais em dez anos com a reforma. Desse total, 807 bilhões viriam de dificuldades impostas à obtenção de aposentadorias por trabalhadores que contribuem com o INSS, instituto que paga benefícios mensais de 1,4 mil, em média.
Os servidores públicos, muitos dos quais são marajás, vide o holerite de juízes, procuradores e assessores legislativos, recebem em média 8,6 mil de aposentadoria, pagos por uma espécie de INSS só deles, o RPPS. Com os servidores, a economia em uma década seria de 224 bilhões.
Eis o combate a privilégio nas aposentadorias: os mais pobres pagam 65% da conta e os mais abonados, 18%.
Para poupar mais dinheiro, o governo embutiu na reforma propostas que não têm relação direta com aposentadorias, mas atingem igualmente os mais pobres. Com dificuldades extras à obtenção por idosos de um tipo de benefício assistencial, o BPC, quer economizar 34 bilhões em dez anos. E com restrição ao pagamento de abono salarial, 169 bilhões.
Tudo somado, os mais pobres arcarão com 1 trilhão de reais da conta de 1,2 trilhão da proposta do governo, o equivalente a 83%.
“A alma do negócio”
Para convencer a população a aceitar a reforma e, dessa maneira, facilitar a aprovação da proposta pelos parlamentares, o governo aposta pesado em propaganda.
Com pompa, circunstância e dirigentes das principais emissoras de tevê, lançou uma campanha em 20 de maio com seus bordões de combate a privilégio e de que a conta será rachada por todos. Inclusive pelos militares, donos de uma reforma própria.
A aposentadoria nas Forças Armadas custa em média um valor parecido com a dos servidores, 8,4 mil mensais por militar. Pela proposta do governo, a reforma na caserna poupará aos cofres públicos apenas 10 bilhões de reais em uma década, pois Jair Bolsonaro propôs ao mesmo tempo um aumento salarial para as tropas.
O ex-capitão mergulha em programas de auditório, dá entrevistas em rádio, recebe empresários de mídia. Tudo para vender a reforma da Previdência. Em maio, passaram por seu gabinete os presidentes da Band, Johnny Saad, e da Rede TV!, Amilcare Dalevo Junior.
Até o lobista da Globo, Paulo Tonet Camargo, esteve por lá. Curioso: a intenção de Gustavo Bebbiano de receber Tonet foi uma das causas apontadas por Bolsonaro para demiti-lo da Secretaria-Geral da Presidência, em fevereiro.
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