Justiça
O que acontece após o julgamento do marco temporal pelo STF
O desfecho da votação já é conhecido, mas o acórdão detalhará as consequências, à espera de recursos
O Supremo Tribunal Federal finalizou nesta quinta-feira 18 o julgamento sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Embora os ministros já tivessem derrubado esta tese em outro julgamento, uma lei de 2023 adotou novamente a versão de que para ter direito ao território, os indígenas têm de comprovar que o ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.
PSOL e PV protocolaram ações que contestavam a validade da lei e buscavam regulamentar o artigo 231 da Carta Magna, no qual estão previstos as garantias e os direitos de povos originários. Os ministros discutiram a lei com para formar consenso sobre uma possível regulamentação da demarcação.
O relator foi o ministro Gilmar Mendes, cujo voto no julgamento foi acompanhado na íntegra pelos colegas Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Seguiram com ressalvas Flávio Dino, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Apenas Edson Fachin e Cármen Lúcia divergiram do relator. Todos, porém, votaram por derrubar a tese do marco temporal, reforçando que a Constituição é categórica ao estabelecer que o direito é originário.
Em seu voto, Gilmar determinou que o Poder Público tem até 60 dias para elaborar um plano de transição para as demarcações de terras e deu dez anos para a União concluí-las.
Nesse ponto, algumas divergências surgiram. Segundo a maioria dos ministros, o prazo fixado para o Poder Público deve ser de até 180 dias, não de 60, mas todos eles concordam que houve omissão do Estado em relação às demarcações. Os demais pontos debatidos nos votos ainda estão em aberto.
“O que costuma aparecer, sobretudo em matérias constitucionais sensíveis, é um cenário em que a maioria converge quanto ao resultado principal, mas diverge quanto aos fundamentos e às delimitações práticas, o que explica as ressalvas”, disse a CartaCapital o advogado Leonardo Roesler.
“A construção de coerência ocorre, essencialmente, na etapa de elaboração do acórdão, quando o relator organiza o dispositivo e, quando cabível, a formulação de tese, além da eventual modulação de efeitos.”
Na avaliação de Roesler, o julgamento já está definido, mas o conteúdo normativo será estabelecido somente após a publicação do acórdão e, se houver, depois do enfrentamento de recursos voltados a esclarecer omissões ou contradições.
Na prática, os pontos considerados inconstitucionais pelo STF são retirados da legislação ou passam a ter uma interpretação distinta “para evitar conflito com a Constituição, preservando a parte válida”, explicou o advogado.
Após a construção desse arranjo, a alteração da lei só ocorrerá se o Congresso Nacional deliberar por editar uma nova legislação sobre o tema seguindo os parâmetros fixados pelo Supremo ou se decidir propor uma emenda constitucional — esta foi a opção do Senado, ainda pendente de análise pela Câmara.
Em suma, o que acontece é que o Supremo decide o que pode e o que não pode valer, enquanto o Congresso, se assim desejar, pode tentar reconstruir um marco normativo.
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