Justiça
STJ livra Igreja Universal de devolver R$ 101 mil doados por fiel que ganhou na loteria
A maioria dos magistrados acompanhou a divergência aberta pelo ministro Moura Ribeiro, para quem as contribuições religiosas não se encaixam no contrato de doação do Código Civil
Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiram, nesta terça-feira 9, manter a doação de 101 mil reaisà Igreja Universal de uma dona de casa que ganhou na loteria. A mulher, que reside em Samambaia (DF), doou o valor após seu então marido ser contemplado pelo prêmio de cerca de 1,8 milhão de reais no jogo.
O caso chegou ao STJ por meio de um recurso apresentado pela igreja contra uma decisão do Tribunal de Justiça do DF que anulou a doação e mandou ressarcir a autora. Ao abrir o julgamento em setembro deste ano, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou por atender ao pleito da mulher. Um pedido de vista na época, contudo, interrompeu a análise no tribunal.
Na retomada do julgamento, nesta terça, a maioria dos magistrados acompanhou a divergência aberta pelo ministro Moura Ribeiro, para quem as contribuições religiosas — inclusive valores expressivos — não se encaixam no contrato de doação do Código Civil.
Segundo o magistrado, trata-se de um ato de liberalidade guiado pela fé, semelhante a esmolas, dízimos ou oferendas, no qual não se aplica a formalidade exigida para doações civis. O entendimento foi seguido na íntegra por Daniela Teixeira, Nancy Andrighi e Humberto Martins.
No processo, a mulher relatava ter ingressado na Universal em 2006, em busca de “esperança” para a vida financeira. Um pastor, segundo ela, pedia 10% de seus rendimentos a título de dízimo para alcançar o “sucesso financeiro, profissional e familiar”. Em 2014, quando o marido dela ganhou o prêmio, a mulher relata ter contado sobre a “graça” ao líder religioso, que teria fornecido os dados de uma conta para transferir 10% do valor.
Houve duas doações do então marido da autora: de 182,1 mil e de 200 mil reais. Ainda conforme a ação, o pastor teria prometido a eles “que suas vidas seriam abençoadas [e que] fariam uma viagem internacional”.
“Com o tempo, [ela] foi percebendo que tudo aquilo que lhe foi prometido não passava de meras enganações, visto que já estava naquele ambiente, por mais de dez anos, e que não lhe permitiu alcançar a tão sonhada prosperidade financeira, mas sim estava só afundando, perdeu seu dinheiro, marido, entre outras coisas, razão pela qual, decidiu nunca mais retornar naquela igreja”, escreveu a defesa.
O casal se separou em 2015, partilhando o restante do prêmio. Depois disso, a fiel ainda doou um carro HB20 Premium 1.6 e mais 101 mil reais à Igreja Universal. Não havia, de acordo com os advogados dela, documento atestando formalmente o repasse. A mulher decidiu acionar a Justiça para recuperar os valores após saber que o ex-marido havia feito o mesmo em relação às duas primeiras doações.
Na primeira e na segunda instâncias, ela obteve decisões que obrigam a IURD a devolver o dinheiro, mas não o automóvel. Os juízes do TJDFT entenderam que a doação é nula por falta de instrumento jurídico adequado. A IURD, então, recorreu ao STJ.
A reportagem de CartaCapital pediu uma manifestação à igreja, mas ainda não houve retorno. No processo, a defesa da IURD pontuou que as ofertas resultaram da liberdade de consciência e de crença, garantida pela Constituição. Sustentou também que as contribuições diferem juridicamente das doações comuns, por configurarem “atos de fé”.
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