Justiça

O que está em jogo no julgamento do marco temporal no STF

Na quarta-feira 10, os ministros avaliarão a constitucionalidade da Lei 14.701/2023

O que está em jogo no julgamento do marco temporal no STF
O que está em jogo no julgamento do marco temporal no STF
Representantes de povos indígenas participam de sessão do STF que ouviu representantes de entidades admitidas no processo da Ferrogrão. Foto: Antonio Augusto/STF
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O Supremo Tribunal Federal julgará na próxima quarta-feira 10 a constitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, que regulamenta os direitos territoriais indígenas. A lei, de outubro de 2023, estabeleceu 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a garantia da terra, embora a Corte já tivesse rejeitado essa tese ruralista em um julgamento anterior. Partidos de oposição pediram a declaração de inconstitucionalidade, enquanto outros solicitam o reconhecimento da validade da norma.

Diante do impasse jurídico, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil protocolou uma manifestação pedindo a suspensão integral da lei até o fim do julgamento. A entidade argumenta que os direitos territoriais são originários e preexistentes, e que a nova lei não pode retroagir para anular ou suspender procedimentos demarcatórios já concluídos, sob pena de violar a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito. O relator do caso, Gilmar Mendes, ainda não se manifestou sobre esta solicitação.

Para buscar uma solução consensual, o ministro criou uma comissão especial de conciliação, em junho de 2024. Após 23 encontros e a saída da Apib, que alegou conciliação forçada, o colegiado elaborou um anteprojeto de lei para regulamentar o artigo 231 da Constituição. A redação garante o direito à consulta prévia e assegura o isolamento de povos não contatados.

A proposta de consenso também define a participação obrigatória de estados e municípios nos processos de demarcação, garante a legitimidade direta de indígenas e suas organizações para ingressar em juízo, e estabelece que a Justiça Federal é competente para analisar disputas sobre os territórios. Sobre a gestão, permite atividades econômicas e turismo, vedando o arrendamento da terra.

A Apib, contudo, manifestou insatisfação com a minuta da comissão, classificando-a como um “consenso mínimo e parcial”. Sustentou também que a negociação não resolve o problema constitucional de fundo, pois se concentra em aspectos operacionais da lei, sem abordar o cerne do conflito: a inconstitucionalidade do marco temporal.

A Advocacia-Geral da União protocolou no STF o “Plano Transitório para Regularização das Terras Indígenas em Litígio Judicial”, com o objetivo estabelecer um regime de transição para indenização, buscando soluções consensuais e o apaziguamento dos conflitos fundiários em curso. A AGU considera que a iniciativa tem grande potencial para reduzir conflitos antigos e solicitou que o Supremo homologue o plano.

A discussão que o STF enfrentará, portanto, representa um conflito direto entre dois regimes jurídicos sobre as terras indígenas. Enquanto um lado defende o direito originário, apontando a demarcação como um ato meramente declaratório, o outro busca impor o marco temporal de 1988. A Advocacia-Geral da União e a Comissão de Conciliação oferecem uma terceira via, focada na indenização e em uma pretensa pacificação social, buscando reconhecer o direito indígena ao mesmo tempo em que compensa os ocupantes de boa-fé.

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