Justiça
As mudanças feitas por Alessandro Vieira no PL Antifacção
O relatório apresentado pelo senador redesenha o texto de Derrite aprovado pela Câmara e pode ser votado nesta quarta-feira 3 na Comissão de Constituição e Justiça
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou nesta quarta-feira 3 seu parecer que redesenha profundamente o PL Antifacção aprovado na Câmara sob relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP). O texto será analisado hoje pela Comissão de Constituição e Justiça e, caso avance, deve retornar aos deputados por conter alterações de mérito.
A reescrita proposta por Vieira procura corrigir pontos considerados confusos pelo Executivo, reforçar instrumentos de investigação e criar uma fonte robusta de financiamento permanente para ações contra o crime organizado.
A mudança mais estrutural recai sobre o coração do projeto votado na Câmara. Derrite havia substituído a lógica da Lei de Organizações Criminosas por um novo marco jurídico baseado nos crimes de “domínio social estruturado” e “favorecimento ao domínio social estruturado”, com penas que partiam de 20 a 40 anos. Essa concepção criava um sistema paralelo ao da lei vigente e, segundo o governo, podia restringir o alcance das ferramentas já consolidadas de combate ao crime, além de gerar insegurança jurídica.
Vieira abandona totalmente essa arquitetura e volta à lógica original sugerida pelo Ministério da Justiça: cria o tipo penal de “facção criminosa” como uma modalidade de organização criminosa caracterizada por controle territorial, atuação interestadual e uso sistemático de violência ou coerção. A pena-base fica entre 15 e 30 anos, podendo ser dobrada para comandantes, e ampliada em outros cenários, como uso de armas de guerra. Além disso, ele equipara expressamente as milícias às facções, tanto nas penas quanto no enquadramento jurídico, unificando o tratamento penal desses grupos.
Financiamento de bets
No campo financeiro, a alteração é ainda mais profunda. O texto de Derrite reposicionava bens apreendidos e redistribuía recursos de fundos existentes, numa disputa entre estados e União que o governo avaliava como insuficiente e potencialmente prejudicial à Polícia Federal.
Vieira troca esse arranjo por um modelo novo de arrecadação: cria uma contribuição de 15% sobre depósitos feitos por apostadores em plataformas de apostas esportivas. A CIDE-Bets pode gerar, segundo estimativas mencionadas pelo relator, até 30 bilhões de reais anuais destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública.
O substitutivo também revoga mudanças feitas pela Câmara em direitos e garantias. Derrite havia incluído a vedação do auxílio-reclusão para dependentes de condenados e restringido o direito ao voto de presos provisórios. Vieira remove esses pontos, afirmando que só poderiam ser alterados por meio de PEC. Por outro lado, endurece aspectos da execução penal relacionados a chefes de facções: impede indulto, graça e anistia, e estabelece cumprimento obrigatório em presídio federal para líderes.
Monitoramento
As regras de investigação passam por reorganização. O projeto da Câmara autorizava monitoramento de conversas entre presos ligados a organizações criminosas e advogados, desde que houvesse razões fundadas de conluio. Vieira mantém a essência, mas detalha salvaguardas: exige autorização judicial baseada em “fundadas suspeitas”, comunicação obrigatória à OAB e delimitação do uso do material. Além disso, reintegra medidas que haviam desaparecido no texto de Derrite, como infiltração de agentes com identidades fictícias, criação de empresas de fachada autorizadas por juiz e uso controlado de softwares de intrusão para interceptações em organizações criminosas e milícias.
O substitutivo amplia ainda penas para homicídio, lesão, roubo, ameaça, extorsão e estelionato quando vinculados a facções ou milícias e mantém a classificação hedionda desses crimes. Na esfera do julgamento de homicídios, Vieira desfaz a alteração proposta na Câmara, que retirava tais casos do Tribunal do Júri, e preserva sua competência, mas cria um pacote de proteção a jurados com sigilo, uso de videoconferência e possibilidade de transferência de julgamentos em situações de risco.
Nas disposições sobre visitas e contato com o mundo externo, o senador proíbe visitas íntimas a integrantes de facções e estabelece regras de monitoramento de encontros presenciais ou virtuais de presos investigados, sempre com controle judicial e limites expressos para resguardar direitos quando não houver indícios de crime.
Ao reformular o texto, Vieira tenta conciliar as demandas do governo com parte dos pleitos da Câmara, como o endurecimento de penas e o reforço da atuação integrada das forças de segurança. A expectativa no Senado é de consenso suficiente para a aprovação do substitutivo na CCJ ainda hoje, abrindo caminho para a votação em plenário e a posterior devolução à Câmara, onde deputados terão de decidir se preservam ou não as mudanças propostas.
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