Justiça
Os 10 problemas que o governo Lula identifica no PL Antifacção
O Ministério da Justiça enviou ao relator um diagnóstico técnico com críticas estruturais ao texto aprovado pela Câmara. Alcolumbre prevê votação na próxima semana
O Ministério da Justiça e da Segurança Pública encaminhou ao relator do PL Antifacção no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), um documento de 35 páginas detalhando o que classifica como os “problemas essenciais” do texto aprovado pela Câmara.
O projeto, alterado significativamente pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP), deve entrar em votação no Senado já na próxima semana, conforme anunciou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
O levantamento do governo aponta riscos jurídicos, inconstitucionalidades, conflitos normativos e mudanças que, na avaliação do MJSP, podem fragilizar o combate ao crime organizado, ao contrário do que pretende o projeto.
Leia abaixo os dez principais problemas identificados pelo governo:
1. Enfraquecimento da PF e dos fundos federais de segurança
A redistribuição do perdimento de bens para estados e DF, alterando regras hoje vinculadas ao Funpen e impactando fontes de financiamento federais, pode reduzir recursos destinados ao sistema penitenciário e órgãos nacionais envolvidos no combate às facções.
2. Criação de uma “segunda lei” de crime organizado
O texto aprovado na Câmara cria um regime paralelo de “organização criminosa ultraviolenta”, descolado da legislação vigente, gerando conflito normativo, insegurança jurídica e risco de nulidades processuais. A duplicidade de conceitos esvazia critérios hoje consolidados pela Lei de Organizações Criminosas, base de investigações e cooperação internacional.
3. Conceitos imprecisos e duplicados: “facção criminosa” x “organização ultraviolenta”
O MJSP aponta falta de coerência e repetição de elementos na lei, dificultando a aplicação prática e produzindo “taxatividade penal deficiente”. Há duplicidade entre definições e condutas, o que aumentaria disputas judiciais e interpretações divergentes.
4. Tipos penais amplos que podem criminalizar movimentos sociais
Vários dispositivos trazem verbos abertos como “dificultar”, “obstruir”, “impedir circulação” que, combinados com a falta de conceito taxativo de organização ultraviolenta, podem atingir manifestações políticas e atos reivindicatórios legítimos, mesmo sem vínculo com crime organizado.
5. Sobreposição com crimes já previstos no Código Penal
O MJSP registra múltiplos casos de redundância com tipos existentes, como explosão, atentados à aviação, interrupção de serviços, entre outros. Essa duplicidade gera insegurança jurídica e contraria a boa técnica legislativa, além de confundir a interpretação por parte de juízes e investigadores.
6. Risco de punição a moradores de comunidades dominadas por facções
O ministério alerta que, pela redação de dispositivos que tratam de controle territorial, um morador que seja forçado a permitir a entrada de criminosos em sua casa poderia ser enquadrado em condutas tipificadas como parte do domínio social estruturado, ainda que sob coação.
7. Inconstitucionalidade ao retirar competências do Tribunal do Júri
O PL prevê que homicídios praticados por integrantes de facções sejam julgados por varas colegiadas, e não pelo júri popular, o que viola garantia constitucional expressa e consolidada pelo art. 5º, XXXVIII, da Constituição, segundo o MJSP.
8. Automaticidade na decretação de prisão preventiva
O texto cria hipóteses de prisão preventiva obrigatória, contrariando decisões do STF e princípios da cautelaridade penal. A medida é vista pelo governo como violação direta à presunção de inocência e à necessidade de fundamentação concreta para prisões provisórias.
9. Falhas graves na disciplina do bloqueio e do perdimento de bens
O relatório aponta confusão entre perdimento extraordinário e ação civil de perdimento, além de dispositivos que criam obstáculos ao bloqueio de bens sem substituir o regime atual de forma coerente. Há também omissões relevantes sobre procedimentos e competências, o que pode comprometer investigações financeiras de facções.
10. Cooperação internacional inadequada e potencialmente inconstitucional
O substitutivo autoriza a União a celebrar acordos internacionais em matéria penal sem observar o artigo 84 da Constituição, que atribui tal prerrogativa ao presidente da República. Além de desnecessária, a redação cria confusão ao misturar regimes jurídicos distintos e pode gerar conflito com autoridades estrangeiras.
Votação na semana que vem
O documento foi elaborado a pedido do senador Alessandro Vieira, que assumiu publicamente a intenção de revisar o texto aprovado na Câmara. O Ministério da Justiça afirmou que o diálogo com o relator no Senado tem sido “muito diferente” daquele estabelecido com Derrite, cuja condução na Câmara gerou crise entre o governo e o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Apesar das críticas e da pressão do Palácio do Planalto por mudanças, Alcolumbre já avisou que pautará o projeto para votação na próxima semana, aumentando a tensão entre governo e Congresso Nacional em torno do tema.
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