Justiça
Como Moraes fechou a porta dos recursos e acelerou a prisão de Bolsonaro
O ministro rechaçou qualquer possibilidade de o ex-presidente tentar atrasar a conclusão do processo da trama golpista
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes foi didático ao determinar, nesta terça-feira 25, o início do cumprimento da pena de Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos e três meses de prisão por liderar a tentativa de golpe de Estado.
A defesa optou por não protocolar uma segunda rodada de embargos de declaração, um tipo de recurso voltado a resolver eventuais omissões, contradições ou obscuridades no julgamento. O prazo para apelar terminou na segunda-feira 24.
Na decisão em que mandou Bolsonaro permanecer na Superintendência da Polícia Federal em Brasília — onde cumpre prisão preventiva desde o último sábado 22 —, Moraes também afirmou de antemão serem incabíveis os chamados embargos infringentes, que poderiam — se acolhidos — mudar o desfecho do caso.
Esse tipo de recurso, ao contrário dos embargos de declaração, depende de uma condição ausente na ação de Bolsonaro. O STF firmou em 2018 o precedente de que só é possível admitir os infringentes contra a decisão de uma turma se houver dois votos vencidos em favor do réu — ambos de juízos absolutórios em sentido próprio, ou seja, pela absolvição no mérito do processo, não em questões preliminares.
Na condenação de Bolsonaro, a Primeira Turma formou um placar de 4 votos a 1, com Luiz Fux isolado na defesa do réu. A jurisprudência firmada há sete anos e ratificada em julgamentos posteriores, portanto, não autoriza embargos infringentes.
Diante dessa jurisprudência, escreveu Moraes nesta terça:
“Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido da exigência de 2 (dois) votos absolutórios próprios, é pacífico há mais de 7 (sete) anos, tornando manifesta a inadmissibilidade dos embargos e revelando o caráter meramente protelatório dos infringentes, de maneira a autorizar a decretação imediata do trânsito em julgado, independentemente da publicação do Acórdão, e o imediato cumprimento da decisão condenatória”.
Moraes afirmou também caber ao relator reconhecer o “caráter procrastinatório” de um recurso, em referência à tentativa da defesa de apenas atrasar a conclusão do processo e, por consequência, o cumprimento da pena.
O ministro enterra, assim, a última esperança dos advogados de Bolsonaro em um recurso que poderia levar pelo menos a uma redução na pena. Com isso, o ex-presidente inicia em regime fechado o cumprimento da sentença.
O que resta a Bolsonaro?
Diante do já esperado fracasso nos recursos, o ex-presidente poderá pleitear mais uma vez a execução da pena em prisão domiciliar — recorrendo, por exemplo, à idade e aos problemas de saúde — ou insistir na contestação, por meio de uma revisão criminal cuja análise caberia ao plenário, e não mais a uma turma.
O STF admite a revisão de uma condenação em três cenários:
- quando a sentença contrariar a lei penal ou a evidência dos autos;
- quando a condenação se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; e
- quando, após a sentença, vierem à tona novas provas de inocência do condenado ou de uma circunstância que autorize a diminuição especial da pena.
A defesa pode solicitar a revisão criminal a qualquer momento após a condenação transitar em julgado. Teria de apresentar documentos que demonstrem as alegações e listar as provas que pretendem produzir. O relator do procedimento aceitará ou não as provas requeridas e ordenará a produção de outras que julgar necessárias.
Na fase de instrução da revisão criminal, o relator ouvirá a defesa e o procurador-geral, com cinco dias de prazo para cada um. Quando o relatório estiver pronto, o ministro enviará os autos a um colega que terá a função de revisor, a quem caberá pedir uma data para julgamento.
Se o plenário concordar com a revisão, poderá absolver o acusado, alterar a pena ou anular o processo. Em caso de absolvição, a Corte devolverá a ele todos os direitos perdidos devido à condenação.
Lenio Streck, jurista e professor de Direito Constitucional, destacou a CartaCapital que a revisão criminal não pode ser interpretada como um substituto de recurso. Assim, ela precisa preencher requisitos muito específicos e sensivelmente mais graves.
“Bolsonaro poderia ter sucesso em uma revisão criminal se a decisão do Supremo que o condenou fosse contrária à lei, o que não é o caso. Ou à evidência dos autos, o que também não é o caso”, reforçou, em entrevista publicada no sábado 22. “Ou então: a decisão do Supremo se baseou em exames falsos, documentos falsos? Também não é o caso. Bolsonaro tem novas provas que comprovem sua inocência? Não.”
Não há, portanto, ponto de contato entre a ação penal da trama golpista e as exigências impostas para demandar uma revisão criminal, na avaliação de Streck.
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