Justiça

Prisão preventiva simboliza reação ao golpismo e cristaliza o inferno de Bolsonaro

A decisão de Moraes, além de indicar risco de fuga, reforça simbologia ao mencionar os acampamentos pós-eleição

Prisão preventiva simboliza reação ao golpismo e cristaliza o inferno de Bolsonaro
Prisão preventiva simboliza reação ao golpismo e cristaliza o inferno de Bolsonaro
Moraes mandou prender Bolsonaro em 22 de novembro de 2025. Foto: Sergio Lima / AFP
Apoie Siga-nos no
Eleições 2026

Embora não seja — ainda — a execução da pena de 27 anos e três meses de prisão fixada no julgamento da trama golpista, a prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL), decretada neste sábado 22 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, marca um ápice simbólico da reação institucional aos arroubos do ex-presidente.

É simbólico também que Moraes, além de apontar um risco de fuga, tenha comparado a suposta vigília de oração convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) aos acampamentos dos quais saiu uma horda disposta a tudo no 8 de Janeiro.

Diz um trecho da decisão deste sábado:

“O desrespeito à Constituição Federal, à democracia e ao Poder Judiciário permanece por parte da organização criminosa. Mesmo o STF tendo condenado seu núcleo crucial por Atentado ao Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado, a organização criminosamente articulou a fuga de um dos condenados, Alexandre Ramagem, e, agora, pretende reviver os acampamentos ilegais que geraram o deplorável dia 8/1/2023, utilizando-se de influência política por parte do filho do líder da organização criminosa Jair Messias Bolsonaro”.

A Primeira Turma do STF decidirá na próxima segunda-feira 24 se mantém ou revoga a ordem de prisão preventiva.

Transcorreram-se 1.079 dias entre o momento em que Bolsonaro rompeu o silêncio após a derrota para Lula (PT) — incentivando manifestações golpistas — e a prisão preventiva. À época, o ainda presidente deu uma das senhas para energizar os acampamentos, em especial o de Brasília, em frente ao quartel-general do Exército.

Naquele 9 de dezembro de 2022, portanto, ganhou tração o movimento que desembocou na depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília. O bolsonarismo fervilhava em conspirações e buscava, a qualquer custo, sinais de uma ruptura institucional, especialmente provenientes de seu líder.

A Superintendência da Polícia Federal em Brasília em 22 de novembro de 2025, dia da prisão preventiva de Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP

Foi assim que Bolsonaro apareceu diante de apoiadores no Palácio da Alvorada, onde empilhou recados aos militares: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”.

Semanas antes, em 18 de novembro, foi o general Walter Braga Netto (PL), ex-ministro da Defesa, quem inflamou a multidão em frente ao Alvorada.“Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar agora.” Questionado por uma apoiadora sobre o “sufoco” do grupo, respondeu: “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”

Naquele mesmo mês, veio a público um áudio do ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes, mencionando “um movimento muito forte nas casernas” e um “desenlace bastante forte na Nação” que estaria por vir. Nardes, contudo, não entrou na mira da ação sobre o golpe e, por decisão do ministro do STF André Mendonça, sequer será investigado.

A Polícia Federal, ao revisitar os bastidores da conspiração, concluiu que as declarações de Bolsonaro, Nardes e Braga Netto não foram isoladas. Eram parte de um contexto em que o ex-presidente e aliados civis e militares recusavam-se a aceitar a saída do poder. Paralelamente, os bloqueios de estradas, os acampamentos e as milícias digitais pavimentavam o caminho para a insurreição.

Documentos apreendidos mostram que, dois dias antes do discurso de 9 de dezembro, Bolsonaro havia discutido a “minuta do golpe” com comandantes militares no Alvorada. O Exército e a Aeronáutica resistiram. A Marinha, segundo as investigações, sinalizou apoio. Entre as hipóteses apuradas pela PF, estava até o assassinato de Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.

Acúmulo de derrotas

Mesmo no exercício da Presidência, Bolsonaro intuía seu destino em caso de derrota. No 7 de Setembro de 2021, disparou uma de suas declarações mais incendiárias: “[Só saio] preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós”.

Com o fracasso da trama golpista, vieram as derrotas políticas e judiciais. Após o 8 de Janeiro, Bolsonaro passou a ser investigado como possível autor intelectual do terrorismo. Declarado inelegível por oito anos, tornou-se réu no STF por cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

A ofensiva judicial ganhou fôlego com provas de inquéritos anteriores — fake news, milícias digitais e atos antidemocráticos — que apontavam para a mesma engrenagem golpista. O cerco se fechou.

À medida que o indiciamento se tornava iminente, Bolsonaro passou a defender anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Menos por cuidado com os “malucos” — como ele mesmo os chamou — e mais por ver no perdão uma tábua de salvação política perante o STF. Não funcionou.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF. Foto: Luiz Silveira/STF

Em 18 de fevereiro, a Procuradoria-Geral da República o denunciou pelos cinco crimes identificados pela PF. Menos de nove meses depois, em 11 de setembro, a Primeira Turma do Supremo o condenou a 27 anos e três meses de prisão por liderar a tentativa de golpe.

Ao justificar o cálculo da pena, Alexandre de Moraes afirmou que Bolsonaro “agiu para instrumentalizar o aparato estatal com o intuito de provocar a instabilidade social e se manter no poder”. Foi a conclusão de um julgamento realizado diante de ameaças explícitas do governo dos Estados Unidos — embora a disposição de Donald Trump em prol do ex-capitão tenha arrefecido vertiginosamente desde então.

À época do julgamento, Bolsonaro já cumpria prisão domiciliar. Em 4 de agosto, Moraes expediu a ordem em reação a um “reiterado descumprimento das medidas cautelares” impostas em julho, em especial a proibição de utilizar as redes sociais.

O que resta?

A Primeira Turma já rejeitou o primeiro recurso de Bolsonaro contra a condenação. Agora, enquanto prepara um apelação contra a prisão preventiva, a defesa tem poucas opções para evitar a execução da pena.

Os advogados podem apresentar até a segunda-feira 24 uma nova rodada de embargos de declaração — o mesmo tipo de recurso já rechaçado pela turma — ou os chamados embargos infringentes, que têm o potencial de alterar no mérito o resultado de um julgamento. De qualquer forma, as chances de sucesso são ínfimas.

Diante do previsível fracasso nos embargos, Bolsonaro poderá insistir no cumprimento da pena em prisão domiciliar — recorrendo, por exemplo, à idade e aos problemas de saúde — ou dobrar a aposta na contestação, por meio de uma revisão criminal cuja análise caberia ao plenário, e não mais a uma turma.

O STF admite a revisão de uma condenação em três cenários:

  • quando a sentença contrariar a lei penal ou a evidência dos autos;
  • quando a condenação se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; e
  • quando, após a sentença, vierem à tona novas provas de inocência do condenado ou de uma circunstância que autorize a diminuição especial da pena.

A defesa pode solicitar a revisão criminal a qualquer momento, após a condenação transitar em julgado — ou seja, a partir do momento em que não couberem mais recursos. Bolsonaro já estaria, portanto, no cumprimento de sua pena, seja em casa, no presídio, na Superintendência da PF ou em uma unidade do Exército.

Os advogados teriam de apresentar documentos que demonstrem as alegações e listar as provas que pretendem produzir. O relator do procedimento aceitará ou não as provas requeridas e ordenará a produção de outras que julgar necessárias.

Na fase de instrução da revisão criminal, o relator ouvirá a defesa e o procurador-geral, com cinco dias de prazo para cada um. Quando o relatório estiver pronto, o ministro enviará os autos a um colega que terá a função de revisor, a quem caberá pedir uma data para julgamento.

Se o plenário concordar com a revisão, poderá absolver o acusado, alterar a pena ou anular o processo. Em caso de absolvição, a Corte devolverá a ele todos os direitos perdidos devido à condenação.

Por que embargos infringentes também não tendem a prosperar

Ao contrário dos embargos de declaração, voltados a resolver eventuais omissões, contradições ou obscuridades em uma votação, os embargos infringentes podem mudar o desfecho de um julgamento. Dependem, no entanto, de uma condição que não se aplica ao caso de Bolsonaro.

O STF firmou em 2018 um precedente que agora serve contra o ex-presidente: na ocasião, negou os embargos infringentes do ex-deputado, ex-prefeito de São Paulo e ex-governador Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro.

Os ministros fixaram a tese de que só seria possível admitir os embargos infringentes contra a decisão de uma turma se houvesse dois votos vencidos em favor do réu — ambos de juízos absolutórios em sentido próprio, ou seja, pela absolvição no mérito do processo, não em questões preliminares.

Na condenação de Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão em setembro, a Primeira Turma formou um placar de 4 votos a 1, com Luiz Fux isolado na defesa do réu. A jurisprudência firmada há sete anos e ratificada em julgamentos posteriores, portanto, não autoriza embargos infringentes.

O julgamento de Maluf se tornou ainda mais relevante porque o regimento interno da Corte não explicita os requisitos para apresentar esse tipo de recurso contra decisão de uma das duas turmas — em julgamentos no plenário, por outro lado, o documento cobra pelo menos quatro votos divergentes.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo