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A reconstrução democrática no Brasil vai exigir a produção de cidades socialmente justas e ambientalmente viáveis. Este o escopo do Projeto Brasil Cidades.
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A bandeira do povo e a disputa de um projeto popular para o Brasil
Este Dia da Bandeira é um chamado à memória e à luta. A bandeira pertence a quem trabalha, estuda, resiste e sonha
A nação é constituída de três elementos: o território, a soberania e o povo. E é nas mãos do povo brasileiro que devem estar a bandeira e o futuro do País. Cada luta costura um novo pedaço do nosso tecido social e nacional. Por isso, um projeto popular acompanha as lutas populares por soberania, justiça social e democracia ao longo da nossa história.
O Dia da Bandeira, celebrado neste 19 de novembro, nos convida à reflexão sobre o verdadeiro significado de um projeto nacional. Em tempos recentes, vimos a bandeira brasileira ser apropriada por forças autoritárias e excludentes, mas ela não pode ser convertida em estandarte de intolerância.
A trajetória do Brasil é marcada por disputas entre projetos: o das classes dominantes, empenhadas em concentrar riqueza e poder, e o que se põe ao lado do povo trabalhador, que luta para transformar o País em uma pátria justa e soberana. Essa disputa atravessa séculos e revela que a independência só ganha sentido quando o povo se reconhece como protagonista do destino nacional.
Desde o período colonial, a história do Brasil foi marcada pela exploração e pela violência. A escravidão sustentou uma estrutura que concentrou terras, riquezas e poder nas mãos de poucos, mas o povo resistiu: nas revoltas indígenas, nos quilombos, nas lutas abolicionistas e, mais tarde, nas mobilizações operárias e camponesas. Nós nos reconhecemos como participantes dessa história de resistência.
A Lei Áurea, que decretou o fim legal da escravidão em 1888, não significou verdadeira liberdade para os milhões de negros libertos, já que não se traduziu definitivamente em cidadania nem em reparação. Apesar da abolição inconclusa, a luta abolicionista é fundamental na nossa história, pois carrega a semente para as lutas por direitos e igualdade que vieram depois.
Foi nesse contexto que começou a se formar e organizar uma classe trabalhadora urbana empobrecida e marginalizada que deu início a uma nova etapa de lutas sociais, construindo sindicatos, associações e jornais operários. Os avanços democráticos que se deram na primeira metade do século XX, contudo, não eliminaram ou pacificaram as disputas entre projetos de nação. Elas são, na verdade, resultante da permanente luta entre as classes. E essa nascente classe operária se tornaria, nas décadas seguintes, uma das principais protagonistas da disputa de projetos no País.
Nas décadas de 1940 e 1950, o povo voltou à cena na luta por um Brasil soberano, enfrentando os interesses das elites nacionais e internacionais. A campanha “O Petróleo é Nosso” foi um dos maiores exemplos de mobilização popular em torno de um projeto nacional. A criação da Petrobras simbolizou que o País poderia sonhar com efetiva soberania. A ampla participação de trabalhadores, estudantes e intelectuais nas mobilizações estimulou o fortalecimento de um imaginário popular comprometido com o desenvolvimento e a independência nacional.
Poucos anos depois, a luta pelas Reformas de Base — agrária, urbana, educacional, econômica e política — reafirmava o mesmo princípio: o Brasil deve pertencer ao povo, e não às classes dominantes nem ao imperialismo. Nessas mobilizações, a classe trabalhadora urbana e rural desempenhou papel fundamental, com sindicatos e ligas camponesas que se organizaram para exigir redistribuição de renda, reforma agrária e ampliação de direitos sociais. O golpe militar de 1964 interrompeu esse ciclo, instaurando uma ditadura que perseguiu, torturou e silenciou, mas não conseguiu apagar o sonho da transformação social.
Durante a ditadura, a resistência popular se expressou de múltiplas formas: nas organizações estudantis, nas comunidades eclesiais de base e, com força crescente, no movimento sindical. As greves operárias de 1968, em plena repressão, demonstraram que a classe trabalhadora seguia lutando por melhores condições de vida e de trabalho. E foi novamente a classe trabalhadora organizada que, a partir de 1976, protagonizou o processo de retomada democrática, com as grandes greves do ABC paulista e o fortalecimento da luta nos sindicatos e nas centrais de trabalhadores. Essa mobilização foi decisiva para o fim da ditadura e para recolocar o povo no centro da vida política nacional.
Nos anos 1980, a campanha pelas “Diretas Já” devolveu o verde e o amarelo às ruas. Milhões de brasileiros e brasileiras exigiram o direito de escolher seus governantes e encerrar o ciclo autoritário. As multidões, unidas sob a mesma bandeira, mostraram que a democracia é obra coletiva e que direitos são conquistados nas ruas.
A transição foi negociada, e os militares não foram punidos, mas o povo, inspirado e mobilizado pela Teologia da Libertação, pelo “novo sindicalismo” e pelos emergentes movimentos populares das periferias urbanas e rurais escreveu mais uma página de resistência. Foi nesse contexto que se travou uma intensa disputa pública por direitos, cuja expressão mais profunda se deu na Constituinte de 1988, chamada “Constituição Cidadã”, marco da reconstrução democrática do país.
Atualmente, seguimos vivendo sob a tensão entre dois projetos de País. De um lado, o projeto popular, que tem como paradigmas a defesa da natureza e dos bens comuns do povo brasileiro, a superação das condições de opressão e desigualdade, o direito ao trabalho e à vida, a compreensão do sentido público do Estado e a reafirmação da soberania nacional e popular como garantia do direito do povo brasileiro de decidir sobre seu próprio destino.
De outro, o projeto neoliberal, que reproduz e aprofunda desigualdades estruturais, entrega as riquezas nacionais ao capital estrangeiro e subordina o papel do Estado aos interesses da classe dominante, transformando direitos em mercadorias. Esse projeto, imposto ao povo brasileiro, nos levou a crises e golpes. Mas temos mostrado nossa força e capacidade de resistência.
Neste ano, vimos as ruas voltarem a ser espaço de disputa simbólica e política. A bandeira nacional, que havia sido sequestrada por discursos de ódio, retorna às mãos de quem luta por democracia, justiça social e soberania. O verde e o amarelo voltam a representar a esperança de um País que acredita que o futuro não precisa ser a continuidade do passado autoritário.
O Dia da Bandeira é, portanto, um chamado à memória e à luta. A bandeira pertence a quem trabalha, estuda, resiste, luta e sonha. É o símbolo de um Brasil compartilhado pelo povo, em que se misturam diversidade e solidariedade.
Hoje, quando o mundo enfrenta novas formas de dominação e o imperialismo se reorganiza diante das disputas geopolíticas do nosso tempo, defender o Brasil significa afirmar sua soberania e a capacidade de decidirmos o nosso próprio rumo. Significa lutar por um projeto de País que una as bandeiras da democracia, da justiça social, da igualdade racial e de gênero, e de defesa da natureza. A bandeira brasileira precisa voltar a tremular por essas causas e simbolizar o compromisso com o País e com seu povo.
O projeto popular para o Brasil é do povo em movimento que constrói a mudança, que se reconhece como parte e protagonista de uma mesma história de resistência e luta. E que entende que a verdadeira independência é a soberania popular comprometida com o desenvolvimento nacional como bandeira para defender o Brasil e o seu povo.
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