Justiça
Como a Defensoria tenta reativar discussão no STF sobre a Lei da Anistia de 1979
Ações sobre o tema continuam paradas na Corte
A Defensoria Pública da União apresentou ao Supremo Tribunal Federal, nesta sexta-feira 14, duas petições nas quais sugere retomar a discussão sobre o alcance da Lei da Anistia, de 1979, em casos de crimes continuados ou permanentes, como os desaparecimentos forçados praticados pela ditadura militar.
Um dos processos partiu da Ordem dos Advogados do Brasil e passou por julgamento em 2010, mas há recursos pendentes de análise. A outra ação é do PSOL, jamais votada pela Corte.
Os documentos encaminhados se baseiam em conclusões do Grupo de Pesquisa em Justiça de Transição da Universidade de Brasília. O parecer sustenta que o Supremo já reconheceu, no julgamento da ADPF 153, em 2010, que a Lei da Anistia não visa à aplicaçãoo de autoanistia, mas à memória, categoria jurídica que preserva os fatos históricos e permite a responsabilização penal.
Para o grupo, essa conclusão está expressa nos votos da maioria dos ministros à época, inclusive o do então presidente da Corte, Cezar Peluso, que declarou: “O caso não é de autoanistia, censurada pelos tribunais internacionais”. A partir dessa afirmação, argumenta o parecer, não restaria margem interpretativa: se a lei não apaga os fatos, ela não pode impedir investigações ou processos.
O parecer aponta que órgãos do Estado, a exemplo da Advocacia-Geral da União, reproduzem há anos uma leitura que “contradiz frontalmente o que o STF decidiu”. Essas interpretações sustentam que a Corte teria blindado agentes do regime militar de qualquer responsabilização, criando um impedimento legal.
Essa leitura, afirma o documento, resultou em uma “inação institucional de quinze anos” que barra a apuração de desaparecimentos forçados, mortes e torturas cometidos pelo aparato repressivo. Nenhum dos responsáveis identificados pela Comissão Nacional da Verdade foi julgado criminalmente, famílias seguem sem respostas, arquivos militares permanecem fechados e processos são sistematicamente arquivados com base em “um impedimento inexistente”, de acordo com o parecer.
Por isso, a DPU entende ser importante que o Supremo, ao analisar os recursos à ação da OAB, esclareça que a “Lei da Anistia é uma lei de memória, que não impede investigação, processamento e julgamento de crimes imprescritíveis, como tortura sistemática e desaparecimento forçado”.
No caso do processo do PSOL, o órgão solicita que o STF reconheça a obrigação internacional do Brasil de investigar graves violações de direitos humanos cometidas pela ditadura. “Com isso, o Brasil poderá finalmente cumprir suas obrigações constitucionais e internacionais, honrar suas vítimas, completar sua transição democrática e consolidar o Estado de Direito sobre fundamentos sólidos de verdade, memória e justiça”, finaliza o documento, assinado pela jurista Eneá de Stutz, coordenadora do grupo.
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