Justiça

PL Antifacção mantém riscos jurídicos e políticos mesmo após recuo de Derrite

Mudanças no relatório não eliminaram dispositivos considerados graves por órgãos federais; governo alerta para ameaça à autonomia da PF

PL Antifacção mantém riscos jurídicos e políticos mesmo após recuo de Derrite
PL Antifacção mantém riscos jurídicos e políticos mesmo após recuo de Derrite
O deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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O novo parecer do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) ao Projeto de Lei Antifacção, apresentado na noite de segunda-feira 10, não conseguiu dissipar as preocupações do governo federal e de órgãos de segurança. Embora o relator tenha recuado parcialmente em pontos que limitavam a atuação da Polícia Federal, o texto mantém mudanças estruturais vistas como perigosas, tanto do ponto de vista jurídico quanto federativo.

O projeto, enviado originalmente pelo governo Lula (PT), pretendia fortalecer a Lei das Organizações Criminosas, com foco em desarticular financeiramente facções e ampliar a cooperação entre União e estados. Derrite, no entanto, redirecionou a proposta: em vez de ajustar a legislação existente, incorporou as condutas de facções criminosas à Lei Antiterrorismo, abrindo um flanco de tensão com o Planalto.

Integrantes do Ministério da Justiça alertam que essa opção cria um precedente perigoso. Ao equiparar facções como o PCC e o Comando Vermelho a grupos terroristas, o País se expõe a possíveis sanções internacionais, além de abrir espaço para intervenções estrangeiras sob o pretexto de combate ao terrorismo. A medida tem mais valor eleitoral do que prático no combate ao crime.

Apesar do discurso de “endurecimento da lei”, o substitutivo de Derrite é visto como uma tentativa de capitalizar politicamente o tema da segurança pública, área em que o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do deputado, pretende construir sua narrativa de 2026.

Outro ponto de atrito é o que trata da competência da Polícia Federal. Na primeira versão, Derrite condicionava a atuação da PF à autorização dos governadores. Após reação negativa, o relator alterou o texto para permitir a participação da corporação “por iniciativa própria”, mas em “caráter cooperativo” com as polícias estaduais. Ainda assim, a PF e o Ministério da Justiça consideram que o novo formato reduz a autonomia da instituição e cria brechas para ingerência política sobre investigações sensíveis.

Em nota, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que “não há e não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal”. O temor é que o texto, mesmo revisado, comprometa o alcance de investigações nacionais contra facções que atuam além das fronteiras estaduais, como o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro.

O relatório também endurece penas de forma genérica, prevendo até 40 anos de prisão para crimes ligados a facções, sem diferenciar a gravidade das condutas. Derrite ainda propõe que chefes de organizações cumpram pena exclusivamente em presídios de segurança máxima e que membros de facções se tornem inelegíveis, além de vedar benefícios penais e cortar o auxílio-reclusão de familiares.

Mesmo diante das críticas, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tenta acelerar a tramitação. Ele promove nesta terça-feira 11 uma reunião de líderes para decidir se o texto poderá ser votado ainda hoje. O projeto tramita em regime de urgência e, se houver acordo mínimo, pode ser analisado diretamente em plenário.

Nos bastidores, porém, o clima é de desconfiança. Integrantes do governo consideram que o processo foi conduzido sem o diálogo necessário e que a versão de Derrite distorce o objetivo do projeto original.

A Receita Federal também manifestou preocupação, apontando “inaceitável interferência e enfraquecimento da autoridade federal” nos dispositivos que afetam a atuação conjunta dos órgãos. Para a corporação, as mudanças podem comprometer operações que visam o “andar de cima” do crime, como lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos.

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