Daniel Camargos
Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.
Daniel Camargos
As contradições dos anfitriões da COP30
Sob o discurso verde, Lula e Helder Barbalho impulsionam obras que reeditam a velha exploração amazônica
A COP30 é uma vitrine para o presidente Lula (PT) e o governador Helder Barbalho (MDB). No palco, eles falam em transição energética, economia verde e justiça climática. Fora dali, porém, defendem obras que seguem a velha cartilha de exploração: abrir estradas, cavar poços de petróleo, dinamitar rios e passar por cima de florestas e territórios indígenas.
Pouco antes do começo da COP, o governo federal, através do Ibama, liberou a Petrobras para perfurar na Foz do Amazonas, uma das últimas fronteiras marinhas preservadas do País. Dias depois, Lula subiu ao palco da Cúpula dos Líderes, que antecedeu a conferência do clima em Belém, e criticou os combustíveis fósseis. Pediu pressa na transição energética e cobrou compromisso dos países ricos. O contraste entre o discurso e a prática foi evidente.
A exploração na Foz do Amazonas é defendida também por Helder Barbalho, que se tornou um dos principais aliados da Petrobras na empreitada, ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O governador chamou o projeto de ‘robusto~’ e disse que o desenvolvimento pode andar junto com a proteção ambiental.
Mas o que está em jogo, no caso, é mais que um punhado de sondas em alto-mar em uma região de complexidade ecológica única. Esse delírio de xeique árabe anacrônico coloca o Brasil no caminho oposto ao que a ONU e a ciência recomendam: reduzir a produção de combustíveis fósseis para que o planeta não derreta.
De volta à terra, mas não ao bom senso, Lula promete a reconstrução da BR-319, a estrada que liga Manaus a Porto Velho e corta um dos trechos mais preservados da floresta amazônica. A obra, iniciada na ditadura, é um velho sonho de parte dos políticos da região. Técnicos do Ibama e organizações ambientais alertam que pavimentar a via pode abrir uma nova frente de desmatamento.
O presidente já respondeu que fará a obra em acordo com os ambientalistas, embora não exista acordo algum. A própria ministra do Meio Ambiente de seu governo, Marina Silva, já se posicionou contra e tem sido fortemente atacada em sessões do Congresso repletas de misoginia e de antiambientalismo radical.
Outro projeto defendido pelo governo é a Ferrogrão, uma ferrovia de 933 quilômetros planejada para escoar soja e milho do Mato Grosso até o porto no rio Tapajós, em Itaituba, no Pará. O traçado passa por áreas de floresta e terras indígenas dos povos Kayapó, Panará e Munduruku.
A obra está parada por decisão do Supremo Tribunal Federal, que analisa sua legalidade, mas Lula já afirmou que a ferrovia precisa sair do papel. Para Helder, é preciso “menos ideologia”.
As frases ecoam a política do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que também via na Ferrogrão um símbolo do agronegócio moderno, indiferente aos povos indígenas e à floresta pelo caminho.
No Pará, Helder segue a mesma lógica. Quer viabilizar a remoção do Pedral do Lourenção, um conjunto de rochas que forma corredeiras no rio Tocantins. O plano é explodir o trecho para permitir o tráfego constante de balsas que transportam grãos e minérios.
Para o governo, trata-se de uma obra de infraestrutura estratégica. Para as comunidades ribeirinhas, é a destruição de seu meio de vida e de um local sagrado, onde vivem seres encantados. O Ibama concedeu licença, mas a Justiça suspendeu o projeto por falta de consulta às famílias afetadas.
Essas obras não são isoladas. Todas se encaixam na mesma ideia de progresso: expandir a exportação de commodities e integrar a Amazônia aos grandes corredores logísticos do país. A promessa é gerar empregos e renda.
Como se fosse possível seguir transformando a Amazônia em fazendão do planeta e, ao mesmo tempo, lutar pelo fim do aquecimento global. O custo disso é empurrar a floresta ainda mais ainda para o limite. Em cada um desses projetos, o argumento da soberania nacional serve para justificar impactos ambientais e sociais que quase nunca são debatidos com quem vive ali.
A contradição é parte do método. Helder equilibra-se entre fazendeiros, grileiros e ambientalistas. Reúne prefeitos de municípios campeões de desmatamento, distribui incentivos a produtores rurais e, ao mesmo tempo, promove eventos sobre economia verde. Controla parte da imprensa local e constrói a imagem de gestor moderno e aliado de Lula.
Seu nome circula em Brasília como possível vice do presidente nas eleições de 2026. A aliança entre os dois se consolidou durante a preparação da COP30. Lula precisava de um governador leal na Amazônia para garantir que o evento não se transformasse em uma crise política.
Depois da COP, Hélder já prometeu que vai ao aniversário de Novo Progresso, cidade do sudoeste do estado – a mais bolsonarista da Amazônia. O prefeito Gelson Dill (MDB) já foi multado em mais de R$ 4 milhões por desmatamento e responde a processos ambientais. Ele venceu a última eleição contra um piloto de garimpo que também apoiava Jair Bolsonaro.
A diferença entre os dois estava apenas nas cores da campanha: um usava verde e amarelo; o outro, amarelo e verde. Novo Progresso foi o epicentro do Dia do Fogo, quando fazendeiros e empresários combinaram, em agosto de 2019, uma série de incêndios para limpar áreas da floresta. A fumaça se espalhou por toda a região e chegou a escurecer o céu de São Paulo.
“Prepara o boi no rolete que nós vamos estar aí”, disse o governador, sorrindo, em vídeo publicado pelo prefeito. Talvez, se olhar pela janela do avião a caminho da festa, veja os garimpos ilegais nas margens do rio Jamanxim, a pecuária em áreas que deveriam ser reserva florestal e as cicatrizes do fogo.
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