CartaCapital
Que sucesso?
Uma semana depois, sobra só espuma da operação desastrosa no Morro do Alemão ordenada por Cláudio Castro
A Japinha do CV escafedeu-se, seu destino é “incerto e não sabido”, diria o delegado carioca com ares de rábula. Passada uma semana da mais letal operação policial da história do País, nem esse ínfimo “trunfo” resta ao governador Cláudio Castro. Japinha, descrita como tenente da linha de frente da facção criminosa, não estava entre os 121 mortos na batalha campal no Alemão, incluídos quatro agentes de segurança. Nem ela nem os principais alvos da facção incluídos na lista do Ministério Público para justificar a incursão no morro. O Comando Vermelho perdeu soldados, mas seus generais e cabos continuam intocados. Os moradores do complexo permanecem reféns, as finanças do crime vão bem, obrigado, salvo engano, e a coleta de dados, a mais recente e malandra justificativa do governo estadual para o massacre, só seria possível se as forças de segurança tivessem em seus quadros alunos do médium Chico Xavier. Recrutas não faltarão enquanto o Estado insistir em oferecer balas e bombas no lugar de serviços e dignidade. Nada de novo no front.
Há muitos significados na escolha do nome da operação, Contenção. Especialistas em segurança pública enxergam uma manobra para deter o avanço do CV em áreas dominadas pelas milícias, nunca alvejadas por truculência semelhante. A extrema-direita e parte do jornalismo autodeclarado “profissional” celebram a retomada do controle da agenda política, após sucessivas derrotas da oposição no embate com o governo Lula. O próprio Castro conseguiu, se não conter, ao menos prolongar o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral que pode cassá-lo. O voto da relatora, Maria Isabel Galotti, a favor da perda de mandato por abuso de poder econômico, foi didático e arrasador, mas um pedido de vistas adiou a decisão da Corte para o início do próximo ano.
Ganhos pontuais e de curto prazo. Nada indica, ao contrário do desejo convertido em vaticínio de certo colunismo, que o tema da “segurança pública” dominará o debate presidencial do próximo ano. A escolha do senador governista Fábio Contarato, do PT, para a presidência da CPI do Crime Organizado desmonta um dos palcos que a oposição bolsonarista pretendia explorar até as vésperas das eleições de 2026. A exemplo de tantas operações anteriores nos morros cariocas, os aplausos eufóricos da população, ouvidos no calor dos acontecimentos, serão paulatinamente substituídos pelo silêncio do desespero da realidade cotidiana. Não demora muito para os cidadãos perceberem que continuam encurralados na mata, peões na disputa territorial entre os milicianos e as facções. Castro, montado no vento, promete no mínimo dez ações do mesmo calibre. Quantas mais os eleitores suportam, antes de se aborrecerem com mais do mesmo?
Coube ao presidente Lula resumir os fatos: “A dura realidade é que, em termos de números de mortos, alguns podem considerar a operação um sucesso. Mas, do ponto de vista da ação estatal, acredito que foi desastrosa”. Nada a acrescentar. •
Publicado na edição n° 1387 de CartaCapital, em 12 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Que sucesso?’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.



