

Opinião
Por que Lula aposta em Boulos para elevar chance de vitória em 2026
Na atual conjuntura, não é possível realizar um governo exitoso apenas pela lógica tradicional das instituições e das políticas públicas
A chegada do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) ao cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República marca a consolidação da estratégia política de mobilização posta em movimento pelo presidente Lula (PT) em 2025.
O que é essa estratégia de mobilização? Trata-se do entendimento político de que, na atual conjuntura de polarização e diante da força da extrema-direita na sociedade brasileira, não é possível realizar um governo exitoso apenas pela lógica tradicional das instituições e das políticas públicas. Tal dinâmica, responsável pelo sucesso dos governos Lula I e II e do governo Dilma I, foi quebrada quando a direita brasileira se unificou no processo de golpe parlamentar contra a primeira mulher presidenta da República, em 2015/2016. Naquela ocasião, a resistência contra o golpe contou com o protagonismo do MTST e da Frente Povo Sem Medo, liderada por Boulos.
Desde então, o campo progressista brasileiro vem se unificando no combate ao autoritarismo neoliberal representado por figuras como Bolsonaro e Temer. E, novamente, Boulos esteve envolvido nas dinâmicas de mobilização social que foram decisivas para a derrota do bolsonarismo. A mais importante talvez tenha sido a rede das Cozinhas Solidárias, que salvou milhões de brasileiros da fome e permitiu à esquerda se reposicionar nas periferias urbanas das grandes cidades.
A Frente Ampla em torno de Lula em 2022, que depois passou a sustentar seu governo, é a principal e mais importante expressão dessa unidade. Entretanto, a esquerda vem se dividindo sobre qual é a melhor estratégia política com Lula na Presidência. Alguns setores defendem uma atuação “a frio”, na qual prevalece a temporalidade das instituições e das eleições. Outros sustentam que é preciso “esquentar” o enfrentamento nas ruas e nas redes, com a mobilização da base social progressista para defender o governo e fazer avançar as pautas democráticas e de direitos.
A estratégia da mobilização começou a se impor logo após as eleições de 2024 e, novamente, Boulos assumiu protagonismo. A disputa municipal em São Paulo mostrou a força da extrema-direita, tanto na tática de aliança com a direita tradicional de Bolsonaro quanto na tática “outsider” de Pablo Marçal. Se não fosse a estratégia de impulsionar uma campanha de mobilização e enfrentamento – que teve seu auge quando Boulos “trucou” Marçal, mostrando o exame toxicológico e cobrando o mesmo de seu adversário –, provavelmente a extrema-direita sairia mais fortalecida daquela disputa.
Logo após as eleições, explodiu na sociedade brasileira a luta pelo fim da jornada 6×1. Naquele mesmo período, Lula começou a direcionar seu governo nesse caminho, ao colocar Sidônio Palmeira na Secom, Gleisi Hoffmann na SRI e Alexandre Padilha no Ministério da Saúde. A comunicação do governo passou a ser ativa e mobilizadora; Gleisi, na SRI, conduziu a relação com a base parlamentar em diálogo com a base social da esquerda, que ela conhece como poucos; e Padilha colocou de pé a principal inovação do SUS em anos: o programa Agora Tem Especialistas. Foi nesse período que começaram as especulações de que Lula convidaria Boulos para a SG-PR.
Em paralelo, a luta social seguia seu rumo. Na virada do ano, o governo sofreu sua mais dolorosa derrota com a chamada “crise do Pix”, na qual uma política pública correta foi revogada por uma revolta social produzida por uma mobilização digital da extrema-direita. A popularidade de Lula chegava a seu ponto mais baixo.
Mas a esquerda reagiu e, mais uma vez, Boulos teve protagonismo a partir de sua atuação parlamentar. Como deputado, ele conseguiu conectar o governo Lula e as demandas dos coletivos de entregadores de aplicativos que protagonizaram o “breque dos apps”, em abril de 2025. A partir dessa relação, Boulos sistematizou as reivindicações dos trabalhadores em um projeto de lei, apoiado por diversos partidos da direita, em uma demonstração de que a mobilização popular pode formar maioria parlamentar.
Em seu primeiro ano de mandato, Boulos já havia se destacado como um dos parlamentares novatos com mais projetos de lei aprovados: foram três proposições — o PL das Cozinhas Solidárias, o PL que institui agosto como o mês de Combate às Desigualdades e o PL contra os golpes bancários sofridos por idosos. Para efeito de comparação, a legislatura eleita em 2018 contou com 285 deputados federais de primeiro mandato, dos quais 195 não aprovaram nada no primeiro ano. Já a legislatura eleita em 2022, da qual Boulos faz parte, teve 222 deputados federais de primeiro mandato, e 150 deles não aprovaram nada no primeiro ano. Dentre o reduzido número de parlamentares novatos que tiveram sucesso legislativo, apenas dois deputados em 2019 e três em 2023 aprovaram mais PLs que Boulos. Ou seja, Boulos foi um dos deputados federais novatos com mais sucesso legislativo das últimas duas legislaturas da Câmara.
Além desse êxito quantitativo, Boulos esteve na linha de frente de mobilizações estratégicas da esquerda: a defesa da democracia depois da tentativa de golpe de Estado em 8 de Janeiro de 2023 e a mobilização pela justiça tributária, primeiro com a reforma tributária, em 2023, e depois, em 2024/2025, com o projeto de isenção do IR para quem ganha até 5.000 reais por mês e com a defesa das propostas do ministro Fernando Haddad para elevar os tributos dos mais ricos e das empresas, a fim de financiar os gastos sociais.
É fundamental reafirmar que a pauta da justiça tributária marcou a virada de chave do governo Lula, diferentemente da versão da mídia, de que a popularidade de Lula cresceu graças aos erros do bolsonarismo, especialmente de Eduardo Bolsonaro nos EUA.
A virada começou quando o presidente da Câmara, Hugo Motta, rompeu o acordo feito com Lula e derrubou o IOF, em julho de 2025. O presidente foi ao debate público afirmando que o Congresso queria tirar dinheiro dos pobres e dar aos ricos. Na sequência, veio o tarifaço de Trump e, mais uma vez, Lula impulsionou um enfrentamento em nome da soberania nacional. Em ambos os casos, Boulos foi peça-chave para que essas narrativas se enraizassem na sociedade, por meio da mobilização dos movimentos sociais.
O ápice desse processo veio na ampla mobilização social que derrotou a PEC da Blindagem e a PEC das Anistias para os Golpistas, ambas aprovadas na sequência pela Câmara dos Deputados. Boulos bancou a convocação dos atos de 21 de setembro de 2025, com o mote “Congresso Inimigo do Povo”, contrariando setores da esquerda que não queriam melindrar o Parlamento. As manifestações massivas serviram não só para derrotar os retrocessos legislativos, como também para consolidar na opinião pública a ideia de que a maioria parlamentar de direita sabota o governo Lula.
Agora, com Boulos na SG-PR, o presidente completa uma trinca de ministros na chamada “cozinha” do Planalto, com capacidade e disposição para mobilizar, cada um responsável por uma arena: Sidônio nas redes, Gleisi no Parlamento e Boulos nas ruas — os três coordenando a mobilização da base social progressista capaz de irradiar os feitos do governo Lula e defender o presidente dos ataques, sustentando, dessa maneira, o crescimento de sua popularidade e as perspectivas de vitória em 2026.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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