Frente Ampla
Quem cuida de quem educa?
Nada mais natural e necessário que o Estado tenha a responsabilidade de zelar pela saúde e pela segurança de quem constrói a educação
Infelizmente, vivemos uma epidemia de violência no ambiente escolar no Brasil, algo terrível que macula um lugar de deveria ser o templo da acolhida, do aprendizado e da tolerância. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, o número de pacientes atendidos em decorrência de violência na escola mais do que triplicou entre 2013 e 2023, saltando de 3.771 para 13.117 pessoas. O levantamento abrange desde autolesões até agressões físicas e verbais, tanto contra profissionais da educação quanto estudantes.
De acordo com o Unicef, um a cada dez professores afirma que já presenciou atentados contra a vida na escola e quatro em cada dez profissionais relatam o mesmo quanto a agressões físicas. Se esses são dados isolados, o recente estudo Pesquisa Razões da epidemia de violência contra professoras e professores do Ensino Básico brasileiro, realizado pelo Observatório do Estado Social Brasileiro, plataforma criada pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra que na raiz do problema estão questões estruturais e sistêmicas que levam a uma crescente desvalorização das carreiras na área da educação.
Para se ter uma ideia, em sete redes públicas estaduais os professores efetivos são menos de 50% dos que atuam – ou seja, há uma deterioração da carreira profissional e suas conquistas. Por outro lado, consequentemente, cresce a necessidade de ampliação do esforço laboral, assumindo salas em diversas escolas para fazer um rendimento minimamente razoável.
O caso da rede estadual de São Paulo é emblemático – e problemático. Segundo a ONG Todos pela Educação, em números de 2023, dos 162.935 mil professores que deram aulas naquele período, 69.980 eram efetivos e 82.685, temporários. Isso no estado mais rico do País!
Com baixos salários, contratos temporários e falta de reconhecimento, a precarização tem como correspondência o aumento do adoecimento dos profissionais da educação. Um levantamento da TV Globo com base na Lei de Acesso à Informação mostrou que ocorreram 20.173 afastamentos de professores por questões de saúde mental na rede estadual paulista apenas no primeiro semestre de 2023, aumento de 15% em relação ao ano anterior. Isso significa 112 afastamentos por dia!
Em virtude dessa situação calamitosa, ouvindo gestores e profissionais da educação dos diversos segmentos, apresentei dois projetos de lei na Câmara dos Deputados, visando garantir a segurança física e proteger a saúde dos profissionais da educação das redes públicas de ensino.
O PL 4777/2025 atribui ao Estado, em todas as esferas, a responsabilidade de prevenir e garantir a segurança física dos trabalhadores no ambiente escolar, o que vai desde a criação de protocolos de segurança para evitar e responder à violência até o fornecimento imediato de suporte policial e apoio jurídico gratuito aos profissionais quando for necessário.
Já o PL 4778/2025 traz medidas de proteção e promoção da saúde mental dos profissionais da educação, entendida esta como direito fundamental que deve ser viabilizado pelo Estado, em qualquer das esferas. Para tanto, o projeto elenca tarefas ao poder público, como a criação de programas de saúde mental, ofertando atendimento psicológico e psiquiátrico aos trabalhadores, criando melhores condições de trabalho e um ambiente escolar mais saudável e realizando estudos e pesquisas regulares sobre a saúde mental na rede pública educação.
É lugar comum na política brasileira afirmar que a Educação é a base para mudar o País. Mas, se existe um aparente consenso nisso, ele desaparece quando se debate as prioridades do investimento público. Aí não faltam vozes liberais a dizer que há muito dinheiro para a educação, mas “falta eficiência” ao setor público. Curioso que são as mesmas vozes que desejam acabar com as vinculações constitucionais para Educação e Saúde, enquanto defendem calorosamente a política de juros que suga metade do Orçamento da União para a rolagem da dívida pública. Nada mais incoerente.
Se é verdade que “na sala de aula que se forma um cidadão e se muda uma nação”, como diz a bela canção Anjos da Guarda, de Leci Brandão, nada mais natural e necessário que o Estado tenha a responsabilidade de zelar pela saúde e pela segurança de quem constrói a educação. Afinal, quem cuida de quem educa?
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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