Justiça

STF volta a isolar Fux e condena réus do núcleo 4 da trama golpista

Para o relator, Alexandre Moraes, o grupo era uma ‘milícia digital covarde’ que atacou instituições e preparou o terreno para o golpe

STF volta a isolar Fux e condena réus do núcleo 4 da trama golpista
STF volta a isolar Fux e condena réus do núcleo 4 da trama golpista
Julgamento da trama golpista, em 9 de setembro de 2025, na Primeira Turma do STF. Foto: Rosinei Coutinho/STF
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta segunda-feira 21, condenar os réus do núcleo 4 da trama golpista, conhecido como núcleo da desinformação. O grupo é acusado de disseminar ataques digitais contra o sistema eleitoral, propagar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e a instabilidade política que culminou nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.

Votaram pela condenação os ministros Alexandre de Moraes (relator), Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O ministro Luiz Fux, assim como no julgamento do núcleo crucial, foi o único de divergir e entender que os réus deveriam ser absolvidos.

“Se não houvesse fake news e desinformação, esse resultado a que estou aludindo [8 de Janeiro] não teria ocorrido. Temos uma relação causal absolutamente compatível com o artigo 13 do código penal”, disse. O texto citado por Dino estabelece que um resultado de um crime é atribuído apenas a quem lhe deu causa, seja por ação ou omissão.

As penas impostas pelo STF variam de 17 a 7 anos de prisão. Confira as penas de cada um dos condenados:

  • Ângelo Denicoli: 17 anos de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)
  • Reginaldo Abreu: 15 anos e seis meses de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)
  • Marcelo Bormevet: 14 anos e seis meses de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa), além de perda de cargo público
  • Giancarlo Gomes Rodrigues: 14 anos de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)
  • Ailton Moraes Barros: 13 anos e seis meses de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)
  • Guilherme Almeida: 13 anos e seis meses de prisão e 120 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)
  • Carlos Rocha: 7 anos e seis meses de prisão e 40 dias multa (um salário mínimo cada dia multa)

Para Carmén Lúcia, decana do colegiado, as técnicas adotadas pelo grupo do núcleo 4 tem sido adotadas em inúmeras ocasiões em busca da erosão democrática. “Esse modelo se conhece pois tem sido adotada em outros países também”.

“Esta organização criminosa, valendo de cargos públicos (…) criou um clima de desvario delituoso formatado para se chegar, como se chegou, ao 8 de Janeiro de 2023, que foi a fase final de uma patranha coletiva, dramática, e que serviu para o objetivo da organização criminosa”, disse Carmén.

Em seu voto, Moraes afirmou haver provas robustas de que os réus formaram uma organização criminosa voltada a corroer a confiança nas instituições e a promover a ruptura da ordem democrática.

Em seu voto, Moraes afirmou haver provas robustas de que os réus formaram uma organização criminosa voltada a corroer a confiança nas instituições e a promover a ruptura da ordem democrática. “É uma falácia, uma mentira absurda, criminosa e antidemocrática dizer que atacar a Justiça Eleitoral, o Poder Judiciário e a democracia é liberdade de expressão. Isso é crime tipificado no Código Penal”, declarou o ministro.

Segundo o relator, seis dos sete acusados devem ser condenados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. O sétimo réu, Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, foi condenado apenas por dois crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.

Zanin acompanhou integralmente o relator.

Fux, por sua vez, divergiu logo no início ao defender novamente a incompetência do STF para processar e julgar os réus da tentativa de golpe. No mérito da acusação da Procuradoria-Geral da República, votou pela absolvição dos sete integrantes do núcleo 4.

O voto do relator

Moraes descreveu o núcleo da desinformação como uma “milícia digital covarde”, estruturada para disseminar discursos de ódio e minar a credibilidade do processo eleitoral. “Essas milícias digitais não têm coragem de debater ideias. São covardes. Atacam instituições e famílias, espalham mentiras, incitam o ódio e depois se escondem atrás do falso manto da liberdade de expressão”, afirmou.

O ministro destacou ainda que o grupo usou ilegalmente estruturas do Estado, como a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional, para espionar adversários políticos e abastecer a rede de desinformação. Moraes apontou que houve a criação de uma “Abin paralela”, comandada pelo então diretor Alexandre Ramagem (PL-RJ), com a colaboração de alguns dos réus, como o agente da Polícia Federal Marcelo Bormevet e o subtenente do Exército Giancarlo Rodrigues.

“Essa Abin paralela tinha a finalidade de desacreditar instituições, deslegitimar as eleições e preparar o campo para o golpe. Foram realizadas 887 buscas ilegais com o sistema FirstMile. Isso é o uso criminoso do Estado contra o próprio Estado”, afirmou o relator.

Durante a leitura do voto, Moraes também exibiu mensagens trocadas entre os acusados e assessores próximos do então presidente Jair Bolsonaro (PL), como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Walter Braga Netto. As conversas revelam ordens para atacar generais que resistiram à adesão ao plano golpista, entre eles Freire Gomes, ex-comandante do Exército. “É o modus operandi dessas milícias digitais populistas: a covardia. São milicianos covardes que atacam não só seus inimigos, mas também as famílias dos inimigos”, afirmou Moraes.

Instituto Voto Legal

O relator dedicou parte do voto ao papel do Instituto Voto Legal, responsável por um laudo encomendado pelo PL que questionava a lisura das urnas eletrônicas. O documento foi classificado por Moraes como “uma das coisas mais bizarras que a Justiça Eleitoral já recebeu”. O ministro lembrou que o PL pediu a anulação apenas dos votos dados a Lula (PT) nas eleições de 2022, o que ele classificou como uma tentativa de fraude processual. “A litigância de má-fé foi comprovada. O PL queria anular só os votos do candidato vencedor, mantendo os votos que elegeram seus parlamentares. Isso é uma afronta à lógica e à democracia”, disse.

Para Moraes, o núcleo da desinformação operava de maneira coordenada com outros grupos já denunciados pela Procuradoria-Geral da República. “Os núcleos atuavam de forma interligada. Se olharmos o conjunto, é evidente a organização criminosa que tentou tomar de assalto a República Federativa do Brasil”, afirmou. O ministro reiterou que a tentativa de golpe de 8 de Janeiro foi “resultado de uma conspiração múltipla, dividida em núcleos de atuação, mas unificada pelo mesmo propósito: destruir o Estado Democrático de Direito e impor a vontade de um grupo político pela força”.

O núcleo 4 é o segundo a ser julgado pelo STF no conjunto de processos relativos à tentativa de golpe. O núcleo 1, considerado o comando central da trama, foi analisado em setembro e resultou na condenação de oito réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Os núcleos 2 e 3 estão previstos para ir a julgamento nos próximos dois meses, completando o cronograma de responsabilização dos acusados pela ofensiva contra a democracia.

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