Justiça
STF condena Jair Bolsonaro e aliados por trama golpista
Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin votaram para condenar o ex-presidente pelos cinco crimes imputados pela PGR; Fux é voto vencido


A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou, nesta quinta-feira 11, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelos cinco crimes da trama golpista. O voto decisivo foi da ministra Cármen Lúcia, que acompanhou o relator Alexandre de Moraes e o ministro Flávio Dino. O presidente do colegiado, Cristiano Zanin, seguiu a maioria, rejeitando os argumentos da defesa e diferindo das teses apresentadas por Luiz Fux.
Com exceção de Alexandre Ramagem (PL-RJ), os outros seis réus – Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto – foram considerados culpados pelos crimes de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
No caso de Ramagem, a Primeira Turma decidiu em maio suspender, até o fim do mandato do deputado federal, a parte da ação penal relativa aos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Essas duas acusações se referem aos atos golpistas de 8 de Janeiro, quando o congressista já havia sido diplomado.
Organização criminosa e crimes contra a democracia
Os juízes consideram que o crime de organização criminosa ficou claramente configurado, com violência institucional e política praticada contra integrantes do Poder Judiciário. Já sobre os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, a ministra Cármen Lúcia destacou que os atos não podem ser unificados em apenas um delito, como sugeriu Fux, e defendeu a responsabilização pelos diferentes delitos. Seguindo o relator, ela considerou que o golpe de Estado não absorve a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. “A doutrina nos leva a essa compreensão”, disse.
“Antecipo compreender que a PGR conseguiu descrever satisfatoriamente uma organização criminosa armada, estruturada hierarquicamente com divisão de tarefas e orientada a prosseguir um projeto de poder do qual participavam seus integrantes mediante a prática de ações ilícitas”, disse Zanin em seu voto.
Voto de Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia rejeitou os argumentos das defesas sobre nulidades processuais e reafirmou a competência do Supremo para julgar o caso, validando ainda a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
No ponto central de seu voto, a ministra rechaçou a tese de Luiz Fux, que defendeu a unificação dos crimes contra a democracia. Segundo Cármen Lúcia, não se pode reduzir a gravidade dos fatos a um único enquadramento. “O panorama fático está demonstrado, estão comprovadas a violência e a grave ameaça”, afirmou, acrescentando que o crime de golpe de Estado não absorve o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Seguindo o relator Alexandre de Moraes, sustentou que a doutrina orienta a responsabilização por todos os delitos descritos na denúncia.
A juíza lembrou que não se tratava de meras ideias ou retóricas políticas, mas de planos concretos para instaurar um regime de exceção. Citou como exemplos o plano “Punhal Verde e Amarelo” e o plano “Copa 2022”, que previam o assassinato de Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de arma de fogo. Esses elementos, frisou, demonstram cabalmente que o grupo agiu de forma organizada, com atos de coação e violência de todas as naturezas, sob a liderança direta de Jair Bolsonaro. Para Cármen Lúcia, houve atos executórios efetivos que comprovam o intento golpista.
Ao avaliar o papel de Mauro Cid, a ministra afastou a versão de que ele seria mero espectador. Para ela, ficou evidente que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro participou ativamente do esquema, recebendo documentos, repassando informações e mantendo a articulação dos envolvidos. “Atuou não como mero espectador, mas como autor de atos criminosos”, disse. Em sua conclusão, Cármen Lúcia afirmou que há provas da existência de um conluio entre todos os réus, sob a liderança de Bolsonaro, com práticas que configuram todos os crimes.
Voto de Zanin
Último a votar, o ministro Cristiano Zanin também assentiu a admissibilidade de todos os crimes aos réus. O presidente da Primeira Turma defendeu a competência do STF e do colegiado para analisar o caso e rejeitou as preliminares apresentadas pelos advogados, entre elas a alegação de cerceamento de defesa. Segundo Zanin, os advogados dos acusados tiveram pleno acesso a documentos e provas, e não há nulidades a serem reconhecidas.
Em seguida, o ministro reforçou a validade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, destacando que os elementos colhidos permitiram reforçar a narrativa da acusação. Para Zanin, o conjunto probatório demonstra que os réus constituíram uma organização criminosa, estruturada e hierárquica, voltada a romper o Estado Democrático de Direito. Ele assinalou que a tentativa de abolição desse regime pode se dar por meio de uma cadeia de atos, e não apenas em um golpe abrupto, e que os sistemáticos ataques de Bolsonaro e aliados ao Judiciário compuseram essa escalada de ações.
Zanin destacou que a violência do grupo não se limitou ao plano retórico. Lembrou a destruição causada em 8 de Janeiro como parte do contexto de violência política e institucional, afirmando que os danos aos Três Poderes reforçam a gravidade da empreitada.
Para o ministro, não importa a ausência de vínculo direto entre líderes e executores: basta a contribuição relevante para a execução dos crimes. Nesse sentido, responsabilizou diretamente o ex-comandante da Marinha Almir Garnier por ter colocado as Forças Armadas à disposição de Bolsonaro, gesto que, ainda que não consumado em termos práticos, serviu como estímulo fundamental para o prosseguimento da tentativa de golpe.
O ministro também analisou a conduta pessoal de Bolsonaro, destacando que o ex-presidente realizou incitações públicas e reiteradas contra as instituições democráticas. Segundo Zanin, ele proferiu discursos exaltados, difundindo notícias falsas sobre a idoneidade de pessoas e órgãos do Estado, inflamando a população com a narrativa de perseguição e sugerindo o recurso às Forças Armadas.
“É evidente que a organização criminosa composta pelos réus não se restringiu aos limites da liberdade de expressão e usou estrutura estatal armada em suas ações, ainda que não tenham chegado a deflagrar projéteis de arma de fogo”, afirmou.
Para o ministro, não houve mera expressão de opiniões, mas uma verdadeira concertação de atos para impedir o funcionamento do Judiciário, interferir nas eleições e abrir caminho para uma reação institucional armada que mantivesse o grupo no poder.
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