Justiça

A visão do governo Lula sobre a proposta de ‘anistia alternativa’ costurada por Alcolumbre

O Planalto aposta no presidente do Senado para barrar um perdão amplo aos golpistas do 8 de Janeiro, enquanto cresce na Câmara a articulação por uma anistia que poderia alcançar Jair Bolsonaro

A visão do governo Lula sobre a proposta de ‘anistia alternativa’ costurada por Alcolumbre
A visão do governo Lula sobre a proposta de ‘anistia alternativa’ costurada por Alcolumbre
O presidente Lula e Davi Alcolumbre, chefe do Senado. Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal
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O governo Lula (PT) passou a tratar a “anistia alternativa” de Davi Alcolumbre (União-AP) como um caminho possível para manter a provável condenação de Jair Bolsonaro (PL), no Supremo Tribunal Federal, e frear o ímpeto da oposição no Congresso Nacional. 

A leitura é que, diante do avanço de uma anistia ampla na Câmara dos Deputados, o Senado funcionaria como uma barreira. Mesmo que um perdão geral passe no primeiro plenário, não haveria votos entre senadores para validá-lo.

A posição foi reforçada no encontro no Palácio da Alvorada com ministros indicados pelo União Brasil e pelo próprio Alcolumbre, na quarta-feira 3. Segundo relatos, Lula reiterou que não aceita anistia aos envolvidos na destruição da Praça dos Três Poderes, menos ainda uma formulação que possa atingir o processo contra Bolsonaro no STF. Integrantes do governo afirmam, reservadamente, que aprovar um perdão amplo seria lido como submissão a pressões externas e traria danos à percepção de soberania do país.

A força de Alcolumbre

Nesse desenho, a leitura é que a “anistia alternativa” de Alcolumbre mira proporcionalidade. O texto diferencia os que financiaram e planejaram a empreitada daqueles que aderiram à multidão sem papel de comando. A inspiração está em propostas já protocoladas no Senado, que ajustam penas do Código Penal para casos de participação de baixa relevância, preservando a responsabilização penal individualizada. No governo, a avaliação é de que esse caminho “separa o joio do trigo” e esvazia a tese de impunidade, ao mesmo tempo em que reduz eventuais excessos de dosimetria aplicados a réus sem liderança nos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.

Enquanto blinda o Senado, o Planalto tenta arrefecer a pressão na Câmara. O governo reservou 2,2 bilhões de reais em emendas Pix, valores com planos de trabalho já aprovados conforme decisões judiciais e de controle, para baixar a temperatura com deputados e abrir caminho a pautas consideradas prioritárias, como a isenção do Imposto de Renda para salários de até 5 mil reais. A liberação é vista como instrumento para recompor ambiente e conter a ofensiva da oposição na CPMI do INSS e, sobretudo, a votação da anistia.

A pressão sobre Motta

Do outro lado da Praça, porém, o vento virou. Com Hugo Motta (Republicanos-PB) na presidência da Câmara e a entrada em campo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), a anistia ampla ganhou combustível político. Líderes relatam “boa vontade” para pautar o tema após o fim do julgamento da trama golpista no STF, previsto para 12 de setembro. O núcleo duro da direita – PL, PP, União Brasil e Republicanos – sinaliza maioria para aprovar um texto que poderia alcançar Bolsonaro. Há também relatos de aproximação do PSD, de Gilberto Kassab.

No Planalto, a leitura é que a movimentação antecipa 2026: uma operação para rifar Bolsonaro e impulsionar Tarcísio como candidato do campo conservador. O próprio governador paulista elevou o tom ao prometer que, se eleito presidente, concederia indulto a Bolsonaro como gesto inaugural.

Na bancada do PT, o diagnóstico ecoa o do governo. Lindbergh Farias (RJ) tem dito que o que está na mesa na Câmara é anistia ampla e irrestrita, com potencial de beneficiar Bolsonaro. José Guimarães (CE) admite a possibilidade de ida a voto e define o cenário como de confronto total, com o governo contando votos e mobilizando aliados para barrar a proposta. Nenhuma dessas manifestações, entretanto, contraria a linha do Planalto: se a Câmara avançar, a trincheira final é o Senado sob a batuta de Alcolumbre.

O papel do governo

No curto prazo, o governo tenta travar a pauta com argumentos políticos e de agenda. Sustenta que a anistia fragiliza a presidência da Câmara por vir acoplada a outras matérias polêmicas, como a PEC da blindagem e a proposta de ampliação do número de deputados. Propõe ainda substituir o tema por uma “pauta positiva”, que inclua o IR, a PEC da Segurança e medidas econômicas. Se a ofensiva da direita prosperar, o Planalto aposta que o Senado reescreverá o projeto, excluindo qualquer hipótese de perdão a Bolsonaro.

Próximos passos 

O desfecho do julgamento no STF em 12 de setembro tende a funcionar como gatilho para a Câmara decidir se pauta ou não a anistia ampla. Paralelamente, Alcolumbre prepara o contraponto no Senado. No roteiro da base governista, a narrativa a defender é Estado de direito, proporcionalidade e responsabilização, sem anistia para quem comandou.

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