Justiça

Trama golpista: 1º dia de julgamento é marcado por recados de Moraes, bronca em advogado e críticas a PGR

Julgamento será retomado nesta quarta-feira com as as defesas de Bolsonaro e outros três réus

Trama golpista: 1º dia de julgamento é marcado por recados de Moraes, bronca em advogado e críticas a PGR
Trama golpista: 1º dia de julgamento é marcado por recados de Moraes, bronca em advogado e críticas a PGR
Os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia no primeiro dia de julgamento da trama golpista. Foto: Victor Piemonte/STF
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal concluiu nesta terça-feira 2 o primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus acusados de integrar o núcleo crucial da trama golpista.

Falaram neste primeiro dia Alexandre de Moraes, relator da ação, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, e as defesas do tenente-coronel Mauro Cid, do deputado federal Alexandre Ramagem, do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

O relator abriu os trabalhos com um longo recado sobre o papel do STF e o estado da democracia brasileira. O ministro condenou a tentativa de ruptura, afirmando que “a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”. Para ele, a verdadeira pacificação depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, “e não da covardia do apaziguamento”.

Em seguida, a sustentação oral de Gonet reforçou a participação do ex-presidente e os demais réus na tentativa de golpe de Estado. Segundo ele, os atos golpistas não podem ser vistos como “fatos isolados”, mas como ações articuladas e sucessivas, voltadas para restringir o exercício dos poderes constitucionais e impedir a posse do presidente Lula (PT), eleito em 2022.

“Todos colaboraram, na parte em que lhes coube, em cada etapa do processo de golpe”, completou. Ele reforçou ainda que a tentativa de golpe não depende da assinatura formal de ordens: “Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso“.

Advogados de Cid defendem delação

A defesa de Mauro Cid foi a primeira a apresentar seus argumentos para a Primeira Turma. O advogado Cezar Bitencourt foi enfático ao afirmar que “Mauro Cid jamais articulou o golpe”, destacando que o militar nunca criou, editou ou validou documentos de teor golpista.

O delator Mauro Cid durante o 2º dia do interrogatório sobre a trama golpista no STF. Foto: Ton Molina/STF

Os defensores do ex-ajudante de ordens também gastaram boa parte do tempo à frente dos ministros do STF para argumentar pela validade da delação de Cid, negando que tenha havido coação da Polícia Federal durante a colaboração premiada.

Pereira argumentou que Cid limitou-se a relatar os fatos de que tinha conhecimento, como as reuniões em que se discutiram minutas de decretação de estado de sítio, mas não participou da elaboração de planos como o “Punhal verde e amarelo” ou o “Copa 2022″. “Entre falar tudo o que sabe e praticar tudo o que viu tem uma grande diferença”, disse.

PGR na mira

Durante o julgamento do núcleo crucial da trama golpista na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, que defende o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusou a Procuradoria-Geral da República cometer “erros graves” na denúncia apresentada contra o congressista.

A defesa também pediu que o relatório da Polícia Federal sobre a chamada “Abin Paralela” não seja usado no julgamento, argumentando que o documento não consta na denúncia original e não teve tempo hábil de análise pelo Ministério Público.

A estratégia do advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, também foi tentar descredibilizar o que apontou a PGR. Segundo o defensor, a equipe liberada por Gonet violou o princípio da congruência ao incluir elementos novos nas alegações finais do processo da trama golpista.

“Não é possível que o réu se defenda de algo que não lhe foi imputado”, disse Torres, citando o artigo 384 do Código de Processo Penal. Para o advogado, caberia ao Supremo Tribunal Federal desconsiderar esses pontos ou exigir aditamento da denúncia.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet. Foto: Antonio Augusto/STF

O último a ser ouvido foi o advogado que representa o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Em sua sustentação, Eumar Novacki negou que seu cliente tenha qualquer envolvimento nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.

Novacki exibiu o bilhete de passagem de Torres para os Estados Unidos, datado de 21 de novembro de 2022, como prova de que não teria como planejar a invasão das sedes dos Três Poderes, ocorrida quase dois meses depois. Neste momento, o representante da Procuradoria-Geral da República lembrou que a companhia aérea GOL não confirmou a validade de documento de reserva.

‘Bronca’ de Cármen Lúcia

Em uma rápida intervenção, a ministra Cármen Lúcia rebateu o advogado Paulo Renato Cintra, que defende Alexandre Ramagem. A reprimenda girou em torno das diversas menções do defensor ao voto impresso e ao voto auditável como se fossem sinônimos.

Em sua sustentação oral, Cintra citou as expressões ao alegar que Ramagem não participou da difusão de desinformação para atacar o sistema eleitoral. Diante da insistência, Cármen interrompeu as declarações e perguntou: “vossa Senhoria sabe a distinção entre processo eleitoral auditável e voto impresso? Porque repetiu como se fosse sinônimo e não é”.

“Eu usei essa expressão porque os termos eram tratados no texto que circula entre os acusados”, explicou o advogado.

A ministra, no entanto, não aceitou a emenda e voltou a dar bronca no advogado: “uma coisa é a eleição com processo auditável, outra coisa é o voto impresso, que tem a ver com o segredo do voto. […] Não é opinião, é um fato.”

Próximos passos

Depois das duas primeiras sessões realizadas na terça-feira, o julgamento vai entrar  nesta quarta-feira no segundo dia. Desta vez, haverá apenas uma sessão, às 9h, e será transmitida ao vivo no canal de CartaCapital no Youtube.

Após o encerramento da sessão da quarta, o julgamento será interrompido, e só retorna na próxima semana, com uma sessão na manhã de terça-feira 9. É nesse dia que está previsto o início da apresentação dos votos dos ministros. Na quarta-feira 10, mais duas sessões para os votos. E, por fim, a previsão de encerramento do julgamento, com as sentenças, na sexta-feira 12.

Além de Bolsonaro, são estes os réus do núcleo 1 da trama:

  • Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência – Abin; atualmente deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro;
  • Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
  • Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente e assinou acordo de delação premiada;
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.

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