Justiça
PEC do fim do foro privilegiado: o que diz o projeto que se tornou a nova obsessão do bolsonarismo
A proposta elimina o foro especial para quase todas as autoridades em crimes comuns; bolsonaristas veem na medida uma forma de tirar investigações de Jair Bolsonaro das mãos do STF


A Proposta de Emenda à Constituição 333/2017 é um dos textos mais radicais já elaborados contra o foro privilegiado no Brasil. Aprovada pelo Senado em 2017, prevê que praticamente todas as autoridades percam o direito de serem julgadas em tribunais superiores por crimes comuns, transferindo esses casos para a primeira instância. Apenas cinco cargos manteriam a prerrogativa no Supremo Tribunal Federal: presidente da República, vice-presidente, presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do próprio STF.
O texto é direto: insere no artigo 5º da Constituição a proibição de criar foro especial para crimes comuns; revoga o dispositivo que garante foro a deputados e senadores; retira prefeitos dessa prerrogativa; e redefine competências do STF, STJ, tribunais regionais e tribunais de Justiça para que crimes comuns de autoridades não cheguem mais diretamente aos tribunais superiores. Para crimes de responsabilidade, como atos contra a Constituição ou o livre exercício dos Poderes, parte das autoridades ainda teria julgamento nas instâncias mais altas.
Durante anos, a PEC ficou esquecida na Câmara dos Deputados. A redescoberta veio agora, em agosto de 2025, no meio da mais aguda crise política desde os atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023. A oposição ao governo Lula (PT), liderada por aliados de Jair Bolsonaro (PL), transformou a medida em prioridade. O objetivo é claro: tirar processos de Bolsonaro das mãos do ministro Alexandre de Moraes, no STF.
Desde o início do ano, o ex-presidente é investigado por tentativa de golpe de Estado. A atual interpretação do Supremo mantém o foro privilegiado mesmo após o fim do mandato, se o crime foi cometido durante o exercício da função. Isso mantém o caso sob relatoria de Moraes. A mudança proposta pela PEC 333/2017 quebraria essa ligação: o processo poderia ser remetido à primeira instância, iniciando um percurso judicial mais lento e sujeito a múltiplos recursos, o que poderia adiar por anos uma condenação definitiva.
A motivação, no entanto, vai além de Bolsonaro. Estima-se que cerca de 80 deputados e senadores de quase todos os partidos estejam sob investigação no STF, muitos por suspeitas de desvio de verbas de emendas parlamentares. Ao derrubar o foro, esses inquéritos também migrariam para instâncias inferiores, ganhando tempo até o fim dos mandatos e, em alguns casos, até a prescrição.
Esse ponto explica por que a bandeira bolsonarista ganhou apoio no Centrão e até entre setores da base governista. Mas há uma diferença importante entre o texto original de 2017 e o que está sendo articulado agora: líderes políticos discutem inserir salvaguardas que limitariam o alcance das investigações, como a exigência de autorização do Congresso para que inquéritos contra congressistas avancem.
A PEC, que em 2017 representava um corte quase absoluto no foro privilegiado, corre o risco de ser moldada para se tornar um instrumento de autoproteção coletiva. No lugar de um avanço para aproximar autoridades da Justiça comum, a versão de 2025 pode acabar funcionando como escudo contra processos, preservando interesses imediatos de Bolsonaro e blindando dezenas de congressistas.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Partidos pedem a suspensão de 5 bolsonaristas por motim na Câmara
Por Wendal Carmo
A negativa de Motta sobre contrapartida a bolsonaristas para desocupar o plenário
Por CartaCapital