Fashion Revolution
A sustentabilidade ainda está na moda?
Novo Índice de Transparência da Moda revela avanços lentos diante das crises climática e de direitos humanos


Em 2024, o Brasil viveu episódios simultâneos de enchentes, incêndios e seca em todo o seu território. O Rio Grande do Sul passou por uma das maiores tragédias climáticas da sua história, com centenas de municípios alagados, 147 mortos e mais de 2 milhões de pessoas afetadas diretamente pelas chuvas. Pantanal, Cerrado e Amazônia bateram recorde de queimadas neste mesmo período. Até setembro deste ano, foram mais de 200.000 ocorrências desse tipo, fazendo com que outros locais sentissem na pele as dificuldades respiratórias provenientes desse cenário – as cidades de São Paulo e Porto Velho foram apontadas como as que tinham a pior qualidade do ar. Enquanto isso, Feira de Santana, a segunda maior cidade da Bahia, decretou situação de emergência em áreas do município atingidas pela estiagem. Atualmente, mais de um terço do território nacional – uma área de mais de 3 milhões de km², – enfrenta o pior grau de seca já registrado.
Ao redor do mundo, não tivemos um panorama muito diferente. Há pouco mais de um mês, o Furacão Milton atingiu a Flórida, batendo a categoria 3 – com ventos de até 205 km/h. Paquistão e México tiveram ondas de calor tão intensas que as temperaturas ultrapassaram os 45ºC.
Alerta de tendência: o clima está em alta
Os últimos anos vêm sendo marcados por eventos climáticos consideráveis e projeções alarmantes, um tanto quanto assustadoras. A forma com a qual estabelecemos nosso modo de vida – baseado num sistema condicionado pela exploração, alta produtividade e grande descarte – não nos apresenta futuros muito positivos.
A indústria da moda é uma importante representante desse modelo socioeconômico e ocupa lugar de destaque em agendas globais impulsionadas pelo questionamento por novas e melhores formas de organizar seus processos produtivos. Alguns estudos apontam que podemos chegar a uma produção global de bilhões de novos artigos têxteis por ano. Outros contam que a indústria é responsável por algo em torno 3% a 8% do total das emissões globais de gases de efeito estufa e que a maior parte do que utilizamos é feita de poliéster ou algodão – sendo o poliéster um material sintético derivado do petróleo, de origem não renovável e responsável pela liberação de microplásticos e diversos outros problemas; e o algodão, uma fibra natural que vem sendo frequentemente associada a disputas por terra, monocultura, uso abusivo de agrotóxicos e condições de trabalho análogas à escravidão. Além disso, também estamos falando sobre um setor que depende invariavelmente de ações humanas – seja para o manejo dos materiais, ou para a manufatura das peças que serão comercializadas – cenário de fragilidade quanto às suas condutas, atividades e fiscalizações.
Recentemente, a pauta “sustentabilidade” voltou a estampar publicações do setor. De acordo com especialistas, as metas elaboradas para atender à Agenda 2030 e outros acordos globais não vêm sendo cumpridas como deveriam. Diversas empresas alegam que tais objetivos se mostraram audaciosos demais para as suas implementações – a considerar as dificuldades encontradas pelo caminho. Como resultado, estamos acompanhando uma espécie de retração na organização de comitês de sustentabilidade e na divulgação de intenções claras e conectadas à mitigação de impactos socioambientais por parte de cada negócio.
A transparência como parte fundamental de uma estratégia mais comprometida com a sustentabilidade
O Índice de Transparência da Moda Brasil, desenvolvido pela organização Fashion Revolution Brasil, foi lançado em 2018 e, a cada ano, renova seus votos com o compromisso de promover uma moda mais justa – para todos aqueles que fazem parte deste grande ecossistema.
O Índice tem como objetivo analisar as informações públicas das maiores marcas de moda com operações realizadas em todo o território nacional. A pesquisa busca por dados relacionados à produção, políticas e resultados socioambientais das próprias operações e cadeias de fornecimento das empresas. Ao longo dos últimos seis anos, o Índice de Transparência da Moda Brasil se mostrou como uma ferramenta valiosa para abrir diálogos com grandes marcas, organizações da sociedade civil, pesquisadores, jornalistas e cidadãos em geral. Disponível gratuitamente, ele ajuda diferentes partes interessadas a interpretar as informações divulgadas pelas empresas de moda e a agir com base nessas referências.
Recém lançado em novembro, o ITM chega à sua 7ª edição em 2024 com um formato especial – uma análise comparativa que compartilha o quanto as marcas analisadas ao longo dos últimos seis anos evoluíram suas narrativas para uma comunicação mais transparente dentro dos temas direitos humanos, meio ambiente, rastreabilidade da cadeia de fornecimento e governança corporativa.
A transparência das empresas analisadas está avançando, mas em ritmo insuficiente
Meio ambiente
As marcas analisadas apresentam evolução quanto à transparência na divulgação de relatórios de emissões de gases de efeito estufa nos escopos 1, 2 e 3. Nas próprias operações (escopos 1 e 2), foram de 17% em 2019, para 45% em 2023. Já na cadeia de fornecimento (escopo 3), eram 10% em 2019, saltando para 40% em 2023.
Na divulgação de ações para a redução do uso de têxteis derivados de combustíveis fósseis, observa-se 18% em 2021 e 40% em 2023.
Apesar de 60% das marcas terem publicado, em 2023, práticas relacionadas com a gestão de resíduos têxteis, ainda existe pouca transparência sobre a verdadeira quantidade de resíduos gerados anualmente. Vale lembrar que, em 2023, apenas 17% divulgaram a quantidade de resíduos de pós-produção (como estoque excedente, amostras e peças com defeito).
Direitos humanos
Em 2023, houve um decréscimo para as políticas de proibição ao trabalho escravo contemporâneo – sendo 55% para esse período, contra 60% em 2018.
Governança
O ITM também concluiu que empresas de capital aberto tendem a ser mais transparentes em seus indicadores de governança devido a exigências regulatórias. Em 2023, a pontuação média geral desse perfil foi de 51% – contra 12% de negócios de capital fechado.
Rastreabilidade
Mesmo diante de tantos desafios, a seção Rastreabilidade foi a que apresentou maior progresso de pontuação média geral entre 2018 e 2023 – indo de 12% de 20 marcas para 25% de 60 marcas.
Decrescimento
É importante destacar que, mesmo sendo fundamental para a redução de impactos socioambientais, nenhuma marca se comprometeu com o decrescimento de suas produções.
Mais do que um compilado de dados comparativos, o relatório também funciona como um instrumento relevante para a transformação do mercado.
Isabella Luglio, Coordenadora do Índice, ressalta que “a análise das divulgações feitas nos últimos anos não só destaca o que foi realizado, mas também aponta os próximos passos necessários para cobrar transparência das marcas, pressionando-as a adotar estratégias que enfrentem a crise climática e assegurem os direitos humanos no setor”
Pesquisa de percepção
Este ano, o ITMB também contou com uma pesquisa de percepção das marcas em relação ao próprio Índice. Os resultados mostram que 68% das marcas reconhecem que a pesquisa impulsionou suas práticas de sustentabilidade e transparência, enquanto 72% percebem mudanças internas como resultado da participação no projeto.
O questionário do ITMB é visto pelas empresas como uma ferramenta de avaliação interna e um guia para novas iniciativas, desafiando as empresas a sair da zona de conforto e elevar o nível das discussões, trazendo novos temas à tona.
Para conferir todos os achados do Índice de Transparência 2024 e participar desse debate, clique aqui.
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