Justiça
Agressões, arremesso, tiros: a sequência de abusos e violência da PM de São Paulo nas últimas semanas
Os casos provocaram grande repercussão dentro e fora do estado; Tarcísio de Freitas e o secretário Derrite falam em condutas individuais


Imagens gravadas por moradores do bairro de Jardim Damasceno, zona norte da capital paulista, mostraram agentes da Polícia Militar de São Paulo agredindo um homem e uma mulher que estavam em uma motocicleta com cassetetes, além de chutes e socos.
O caso aconteceu no último domingo 1º. Os policiais alegaram que o condutor da moto tinha desobedecido uma ordem de parar. As agressões, porém, aconteceram quando eles já estavam rendidos.
Nesta quarta-feira 4, o site Ponte Jornalismo denunciou o caso de um jovem chamado Marcos Peixoto da Silva Júnior que, segundo familiares, foi baleado durante abordagem policial no bairro de Cidade Tiradentes, zona leste da cidade de São Paulo. O site teve acesso a imagens chocantes do jovem com o rosto ensanguentado. Ainda de acordo com a publicação, a família não tem notícia de seu paradeiro.
Os episódios se somam a outros casos envolvendo agentes da Polícia Militar paulista registrados em vídeo e divulgados nos últimos dias e semanas, todos com grande repercussão nas redes sociais e na imprensa.
Noite de segunda-feira, um PM arremessou um homem do alto de uma ponte na zona sul da capital paulista. Outros policiais acompanharam o episódio de perto e não reagiram. Apesar da queda de mais de três metros, o homem arremessado sobreviveu.
Ainda nesta semana foi confirmado o afastamento de um policial militar que matou um homem negro com tiros nas costas enquanto estava de folga. O ataque aconteceu na saída de um supermercado. O homem morto, Gabriel Renan da Silva Soares, foi acusado de furtar materiais de limpeza da loja. O caso aconteceu em 3 de novembro, e o policial foi afastado um mês depois.
Semanas antes, em 20 de novembro, o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, foi morto com um tiro à queima-roupa em um hotel no bairro de Vila Mariana, zona sul da cidade de São Paulo. Os policiais envolvidos no caso foram indiciados por homicídio.
‘Erro emocional’
Os casos geraram reações dentro e fora do governo de São Paulo. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, se apressaram para tentar individualizar as condutas dos agentes envolvidos.
“A Polícia Militar de São Paulo é uma instituição que preza, acima de tudo, pelo seu profissionalismo na hora de proteger as pessoas. Policial está na rua pra enfrentar o crime e pra fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda”, escreveu Tarcísio na rede social X (antigo Twitter).
Também em postagem no X, Derrite prometeu punir de maneira “severa” os envolvidos em casos de violência.
“Anos de legado da PM não podem ser manchados por condutas antiprofissionais. Policial não atira pelas costas em um furto sem ameaça à vida e não arremessa ninguém pelo muro. Pelos bons policiais que não devem carregar fardo de irresponsabilidade de alguns, haverá severa punição”, disse o secretário.
Ao comentar o caso do homem arremessado de uma ponte, o comandante-geral da PM de São Paulo, Cássio Araújo de Freitas, disse que o caso foi fruto de “erro emocional”. “Eu considero um erro básico. Um erro emocional de jogar o rapaz ali. Aquilo era quase infantil um negócio daquele. Comete um erro básico, vai ser julgado por aquilo”, disse ao jornal Folha de S.Paulo.
“É um absurdo, é um absurdo que nos envergonha, que nos constrange e, realmente, nós não podemos tolerar esse tipo de conduta, esse tipo de trabalho”, complementou o chefe de comunicação da Polícia Militar de São Paulo, coronel Émerson Massera, em entrevista à CNN Brasil.
Em entrevista a CartaCapital, o pesquisador Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que, embora o uso desproporcional da força seja característica histórica das polícias militares no Brasil, o aumento da letalidade em São Paulo pode render dividendos políticos ao governador – ainda que os índices de crimes não caiam.
“Seja no discurso ou nas mudanças institucionais, o governo tem atuado em prol da espetacularização da violência e do uso da violência policial como plataforma política eleitoral”, afirmou. “O aumento da sensação de insegurança causada por crimes patrimoniais aumenta o apoio a pautas autoritárias.”
Em nota após o caso do arremesso do homem da ponte, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania informou que acionará a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para pedir a rápida apuração do caso.
“Causa mais indignação aos defensores de direitos humanos que este não é um episódio isolado, e que somente a gravação do video possibilitou o conhecimento público desta truculência policial.”
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