Justiça
A longa saga de Youssef em busca dos áudios de um grampo ilegal da Lava Jato
Decisão de Toffoli encerra, em partes, um capítulo da enviesada operação que se arrasta por dez anos


Quando ainda estava no início, a Operação Lava Jato viu em Alberto Youssef, o doleiro conhecido dos tempos do caso Banestado, um nome de peso para a sua lista de figuras que, presas, dariam respaldo ao que os próprios agentes da operação chamavam de combate ao ‘maior escândalo de corrupção do País’.
Youssef, que chegou a ser condenado a mais de cem anos e acabou ficando preso entre 2014 e 2017, denunciou, para descrédito geral de setores entusiasmados da Lava Jato, que agentes da Polícia Federal (PF) grampearam a sua cela em Curitiba, no Paraná.
Entre idas e vindas – Youssef deixou a prisão, usou tornozeleira eletrônica e chegou a ser preso e solto em 24 horas -, o Supremo Tribunal Federal (STF), pelas mãos do ministro Dias Toffoli, encerrou, ao menos em partes, uma longa saga – de cerca de dez anos – em busca das comprovações materiais da grave denúncia do doleiro sobre os métodos questionáveis da Lava Jato.
Nesta quinta-feira 21, o ministro da Suprema Corte divulgou o conteúdo guardado por anos em um HD da Justiça de Curitiba, que respalda a acusação de Youssef. A Lava Jato não apenas grampeou o doleiro, mas prendeu outras pessoas apenas para gravar conversas e forjar provas que pudessem respaldar a sua maneira “onipresente” de atuar.
HD estava na 13ª Vara de Curitiba
A mídia com os áudios das conversas grampeadas à margem da lei estava na 13ª Vara Federal de Curitiba, a torre de marfim da Lava Jato comandada pelo ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR). Sucessores de Moro, como os juízes Eduardo Appio e Luiz Antônio Bonat chegaram a determinar que o HD fosse entregue a instâncias superiores, mas a ordem não foi obedecida por agentes da PF e do Ministério Público Federal (MPF) ligados à Lava Jato.
Não bastasse a ciência de Moro, enquanto juiz, a respeito da existência do material, o então magistrado abriu mão de dar o início a um inquérito sobre o caso, o que possibilitaria, pelo menos, que a defesa atuasse. Ao invés disso, Moro manobrou e abriu sindicâncias protocolares, fazendo a acusação de grampo ilegal se perder na retórica nos corredores da República de Curitiba.
No último mês de julho, porém, o juiz substituto da 13ª Vara de Curitiba, Guilherme Roman Borges, deu a Youssef o direito de acessar o material. Quem também jogou a favor da divulgação do material foi o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que cobrou explicações do juízo de primeira instância.
Foi sobre esse caso recente que Toffoli se debruçou. Coube a ele, na decisão, acionar uma série de órgão investigativos – entre eles, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU) -, para que promovam as diligências necessárias sobre o caso.
No processo analisado pelo ministro do Supremo, consta que Moro teria recebido o HD pouco tempo depois dos grampos ilegais, em março de 2014. Os eventos daquela época marcaram, na prática, o início da projeção da Lava Jato. A revelação de uma escuta ilegal, naquele ponto, teria potencial para implodir a operação em seus primeiros passos.
Ainda segundo o processo, a sindicância aberta pela operação para apurar o grampo ilegal foi meramente decorativa. O MPF, por exemplo, chegou a investigar cinco delegados e um agente da PF, mas concluiu, em 2018, que não houve irregularidades. O órgão decidiu, então, arquivar a investigação e aplicar uma punição leve ao agente. As manobras garantiram que os atos da força-tarefa seguissem vigentes por todos estes anos.
Grampo e delação premiada
No caso de Youssef, mais do que a sua posição, o grampo ilegal ajuda a explicar como ele funcionou para catapultar os mecanismos da Lava Jato. À época em que foi preso, o doleiro resistia a aceitar um acordo de delação premiada. Apontado como operador financeiro de um esquema na Petrobras, Youssef aceitou, finalmente, firmar a colaboração. Tornou-se, assim, uma das principais figuras do enredo lavajatista, servindo de exemplo do poder da delação premiada para a operação.
A sinalização atual da defesa do doleiro é de que, se o grampo ilegal tivesse sido revelado naquele momento, ele não teria firmado o acordo que possibilitou, na margem da lei, que a operação caminhasse a passos largos.
Conforme laudo da própria PF, Youssef não foi o único a ser gravado ilegalmente pelos operadores da Lava Jato. Outros nomes que passaram pela cela dele também foram alvos de escuta, a exemplo de André Catão, Nelma Kodama, Carlos Alberto Pereira da Costa e Carlos Alexandre de Souza Rocha.
A decisão de Toffoli, conforme mostrou CartaCapital em julho deste ano, pode gerar um efeito cascata nas decisões da operação.
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