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Potência verde

O BNDES consolida-se como o maior financiador global de energia renovável

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Renda. Os investimentos na geração solar também cumprem um papel social. Financiado pelo BNDES, o complexo de Irapuru deve gerar mil empregos diretos e 4 mil indiretos – Imagem: iStockphoto
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Em Janaúba, cidade com pouco mais de 70 mil habitantes no norte de Minas Gerais, milhares de operários trabalham em ritmo acelerado na instalação de placas fotovoltaicas do Complexo Solar de Irapuru. Este é um dos maiores projetos do gênero do Hemisfério Sul e o maior da América Latina, com capacidade de 422 megawatts e 750 mil módulos solares bifaciais espalhados em uma área de 800 hectares. A nova estrutura se integrará ao parque já existente em Janaúba, aumentando a capacidade instalada para 1,6 giga, energia suficiente para abastecer 1,9 milhão de residências.

Com previsão de entrega no primeiro semestre de 2025, o empreendimento recebeu 600 milhões de reais de financiamento do BNDES. Em estágio avançado, o projeto de Irapuru gerou mil empregos diretos e 4 mil indiretos, além de um incremento de 5 milhões de reais na renda da região. A capacidade instalada de geração de energia solar não para de crescer, alcançou 48 gigawatts no início de outubro, cerca de 20% da matriz elétrica brasileira, considerando geração centralizada e distribuída.

O investimento consolida a posição do BNDES como principal financiador global de energia limpa e renovável. Nas últimas duas décadas, o banco concedeu 36,4 bilhões de dólares em empréstimos a projetos de energia sustentável, segundo a BloombergNEF. O valor corresponde a mais de 200 bilhões de reais na atual cotação. No ano passado, foram aprovados outros 20,4 bilhões de reais para iniciativas de transição energética. “Investir em energia renovável contribui para a segurança energética, além de estimular o desenvolvimento de tecnologia e a indústria nacional, gerando empregos de qualidade e renda no País”, afirma o presidente da instituição, Aloizio Mercadante.

Com grande capacidade para atrair novos investimentos, o Brasil possui o quinto maior potencial de geração de energia solar do mundo, segundo a consultoria Aurora Research. Os fatores de capacidade variam entre 19% e 24%, o dobro da média na Alemanha. Dados da consultoria britânica Ember revelam ainda que o País detém a matriz elétrica mais limpa entre as 20 maiores economias do planeta, com 89% da eletricidade proveniente de fontes renováveis, como hidrelétricas, usinas solares, energia eólica e biomassa de cana-de-açúcar. Esse porcentual é três vezes superior à média global.

Em duas décadas, a instituição concedeu 36,4 bilhões de dólares em empréstimos a projetos de transição energética

Não apenas o sol tem atraído investimentos, mas a força dos ventos. Desde o primeiro aerogerador em operação comercial no Brasil, em 1992, até os mais de 10 mil instalados atualmente, o País já possui mais de 30 gigas de potência e é um dos três líderes mundiais no setor. A indústria nacional atende a grande parte da demanda local e ainda exporta. Analisar a evolução da energia eólica é fundamental para entender como a transição energética pode impulsionar a reindustrialização nacional.

A expansão da indústria eólica no Brasil começou, mais especificamente, em 2009, quando o governo federal criou um leilão exclusivo para a contratação dessa fonte, em um contexto econômico e tecnológico favorável. A desaceleração das economias norte-americana e europeia a partir de 2008 levou fabricantes de máquinas e equipamentos a buscar novos mercados. A política industrial para o setor incluiu o Programa de Sustentação do Investimento, que permitiu repasses do governo ao BNDES, viabilizando taxas de financiamento incentivadas. O banco estruturou ainda os Planos de Nacionalização Progressiva, visando fortalecer a base industrial estabelecida no País. Como resultado, multinacionais comprometeram-se a internalizar a fabricação de aerogeradores.

O crescimento da indústria eólica trouxe muitos benefícios. Segundo Bráulio Borges, pesquisador associado da FGV–IBRE e economista sênior da LCA Consultores, cada real investido nos parques eólicos brasileiros gerou um aumento de 2,9 reais no PIB. Entre 2016 e 2024, estima-se que os benefícios ambientais evitaram a emissão de poluentes globais, que, se fossem valorados, poderiam somar entre 60 bilhões e 70 bilhões de reais.

No ano passado, a oferta interna de energia elétrica cresceu 4,8%. A alta está associada ao aumento da geração eólica e solar, com uma participação cada vez maior na matriz (gráfico abaixo).


O Brasil está se posicionando para se tornar uma potência na transição energética, aposta a McKinsey. Segundo a consultoria, o País assumirá a liderança global em energia renovável, bioenergia e mercados de carbono, setores que representam uma oportunidade de cerca de 125 bilhões de dólares até 2040. Nesse cenário, a dinâmica internacional torna-se preponderante.

De 11 a 22 de novembro, será realizada a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima em Bakur, capital do Azerbaijão. Durante a COP–29, os países discutirão a descarbonização das economias e a meta de triplicar a presença de energias renováveis nas matrizes até 2030. No próximo ano, o Brasil sediará o evento pela primeira vez, uma oportunidade para destacar seu papel de liderança no debate climático.

O protagonismo global está cada vez mais evidente. Em 2023, o País foi o terceiro do mundo a atrair investimentos em energias renováveis, atrás apenas da China e dos EUA, segundo o relatório Energy Transition Investment Trends 2024, da BloombergNEF. Foram 25 bilhões de dólares. Quando consideramos todos os investimentos na transição para uma economia de baixo carbono, o Brasil ocupa a sexta posição no ranking global e lidera na América Latina, com 34,8 bilhões de dólares no ano passado.

Gerido pelo BNDES, o Fundo Amazônia teve sua governança restabelecida em 2023, com novas doações, retomada da análise de propostas e o lançamento de dois editais públicos. Já o Fundo Clima teve seu funding incrementado pelo Tesouro Nacional. Para 2024, estão previstos mais de 10 bilhões de reais, o maior volume de recursos desde a sua criação, em 2019. No ano passado, havia cerca de 2 bilhões de reais no caixa.

Tornar a matriz energética ainda mais limpa e sustentável abre caminho para a reindustrialização do País

O País poderá ainda destravar investimentos em outros elos da economia verde. Um deles é o hidrogênio verde, conhecido pela sigla H2V, cujo marco regulatório foi aprovado recentemente em Brasília. O combustível pode ser usado na descarbonização de diversos setores industriais, como os de mineração, aço e cimento. O Brasil é apontado como um dos únicos capazes de oferecer H2V a um custo inferior a 1 dólar por quilo até 2030. Um exemplo do potencial está na empresa Arcelor Mittal, que anunciou, em 2022, a compra da Companhia Siderúrgica do Pecém por 2,2 bilhões de dólares. Um dos pilares da aquisição é a energia. A intenção é capitalizar investimentos de terceiros e formar um hub de eletricidade limpa e hidrogênio verde em Pecém.

A consolidação de uma matriz renovável abre a oportunidade de atração de grandes projetos, entre eles os data ­centers, essenciais à revolução tecnológica em curso. A Inteligência Artificial é grande consumidora de energia. Uma pesquisa feita no ChatGPT consome dez vezes mais eletricidade do que uma busca realizada no Google. A Agência Internacional de Energia estima que os data centers responderam por quase 2% da demanda global de energia em 2022, porcentual que poderá duplicar até 2026, sendo esse acréscimo, aproximadamente, semelhante à quantidade de eletricidade utilizada pelo Japão.

Os data centers brasileiros movimentaram 4,6 bilhões de dólares no ano passado, e representam 1,4% do mercado global. Uma das grandes preocupações do setor são as frequentes quedas de energia causadas por eventos climáticos extremos. O problema tende, porém, a ser atenuado com baterias, cujos preços despencaram 90% nos últimos 15 anos, segundo a AIE.

Em setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou um leilão para a contratação de sistemas de armazenamento por baterias em 2025. A inclusão dessa tecnologia na matriz brasileira, dizem os técnicos da pasta, tem se destacado nas discussões de planejamento do setor nos últimos anos, por conta da capacidade de resposta instantânea e à flexibilidade operativa e locacional que ela oferece.

O potencial brasileiro em biocombustíveis destaca-se em um momento em que as petroleiras também investem na transição energética. Combustíveis sustentáveis, provenientes de biomassa, resíduos e outras matérias-primas renováveis, têm potencial para reduzir as emissões de carbono em até 94%.

Hub. Pecém planeja tornar-se um dos principais portos de exportação de hidrogênio verde – Imagem: Acervo/APM Terminals/Complexo de Pecém

Uma das alternativas para a descarbonização é o combustível sustentável de aviação. Em agosto último, o BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançaram uma chamada pública conjunta para selecionar planos de negócios voltados para o desenvolvimento e implantação de biorrefinarias, com a disponibilização de 6 bilhões de reais em recursos.

Em outubro, o banco aprovou um financiamento de 257,9 milhões de reais para a Acelen implantar um centro de inovação tecnológica focado na pesquisa e desenvolvimento da macaúba, planta nativa brasileira de alto potencial energético. A unidade faz parte do projeto integrado da empresa para a produção de diesel renovável e combustível sustentável de aviação, incluindo a domesticação e o cultivo da macaúba em terras degradadas.

“O posicionamento avançado do Brasil na transição energética oferece uma oportunidade única de atração de novos investimentos em indústrias verdes e outras atividades ligadas à descarbonização, uma vez que o País já oferece ao mundo hoje a possibilidade de produção de bens de baixo carbono”, afirma Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES. •

Publicado na edição n° 1338 de CartaCapital, em 27 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Potência verde’

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