Frente Ampla

Se cortar é preciso, que os mais ricos paguem a conta

O pacote fiscal, a depender de como for encaminhado, tem alto potencial para gerar desgastes com a base política e social de apoio ao presidente Lula

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Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Há quase um mês, o governo e o País estão às voltas com o anúncio de um pacote fiscal, envolvendo cortes de gastos do setor público, supostamente para tentar conter a rota crescentes de desembolsos que pressionam as contas públicas.

De acordo com a Faria Lima, a alta do dólar, a taxa Selic, as previsões para a inflação, absolutamente tudo em matéria macroeconômica, teria ligação com tal “desarranjo” nas contas, que fragiliza o arcabouço fiscal e mostra um País perdulário, incapaz de conter gastos.

Ignoram que alta do dólar está mais vinculada a fatores externos do que internos – como a eleição dos Estados Unidos, por exemplo -, que ao aumentar a Selic, o próprio Banco Central contrata o crescimento da dívida pública, que a inflação sofre impactos sazonais e não está em descontrole.

E, principalmente, ignoram que o próprio arcabouço fiscal foi uma medida de austeridade além do que o esperado pelo próprio mercado, após o teto de gastos ser explodido pelo chicago-boy ultraliberal Paulo Guedes. A rigor, não se viu essa “excitação” da banca quando Bolsonaro deu calote de 90 bilhões em precatórios, quebrou o pacto federativo para baixar artificialmente os combustíveis, distribuiu dinheiro irresponsavelmente para setores que o apoiavam na maior derrama eleitoreira desde a República Velha. Para piorar, fez tudo isso e, derrotado, abandonou o próprio governo sem orçamento para terminar o ano.

Muito se fala sobre a relação dívida/PIB como indicador de que estamos em maus lençóis. É curiosa essa régua, só vale quando é um governo de algum compromisso social. Michel Temer, tido como quintessência do liberalismo econômico por ter massacrado os direitos trabalhistas, assumiu o País com uma dívida de 42,81% em relação ao PIB, em agosto de 2016, mas entregou com 52,77% em dezembro de 2018 – um salto de 10%! Bolsonaro entregou com 56,13%, depois de ter superado 61% na pandemia. Os dados são do IPEA.

Mais interessante ainda é que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que propôs uma série de medidas de austeridade ao Brasil — entre elas uma nova reforma de Previdência e a desvinculação de benefícios sociais ao salário mínimo —, tem no rol de seus países-membros uma dívida que superou 113% do PIB em 2022.

Portanto, essa agenda é uma armadilha, lastreada em visões econômicas ideologizadas e até colonizadas, com objetivo político de colocar o governo na defensiva, paralisado, num estica e puxa para ver quem perde menos. Mais grave ainda, o pacote fiscal, tema encomendado pela banca financeira e seus ventríloquos na política e na imprensa, a depender de como for encaminhado, tem alto potencial para gerar desgastes com a base política e social de apoio ao presidente Lula.

E é isso que desejam. Tanto que, num oportunismo sem tamanho, já dizem que não adianta apresentar bloqueios ou congelamentos orçamentários pontuais, ainda que bilionários. Os tubarões sentiram cheiro de sangue e querem avançar em vinculações constitucionais, como os investimentos em Saúde e Educação, e, principalmente, contra a seguridade social mais elementar, que ainda garante um mínimo de tônus ao esgarçado tecido social brasileiro.

Ora, é notório que a ampliação do chamado déficit previdenciário, em boa medida, tem relação com os impactos noviços da reforma trabalhista no mercado de trabalho, que legalizou situações de tamanha precarização que, na prática, estão impossibilitados de contribuir com a Previdência. Por outro lado, com o sonho da aposentadoria cada vez mais inacessível, fruto de reformas draconianas, notadamente a que impôs a idade mínima, imensos contingentes de trabalhadores informais simplesmente deixaram de recolher para o sistema público. É razoável que o facão recaia sobre eles?

Cortar benefícios sociais ou desvinculá-los do salário mínimo, além de injusto, seria relegar os mais vulneráveis à própria sorte. Acabar ou limitar o aumento real do salário-mínimo, outra possibilidade sempre desejada pelos tubarões do mercado, além de ir contra um projeto que o próprio governo Lula reconstruiu, seria eliminar uma das principais políticas de transferência de renda e impulsionadora do consumo e do crescimento econômico.

Por isso, está correto o presidente Lula quando afirmou que não é possível fazer ajuste fiscal em cima dos pobres. Estaremos aqui nas trincheiras do Congresso Nacional para lutar por essa diretriz. Se cortar é preciso, que os mais ricos paguem a conta!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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