Frente Ampla

Taxar os super-ricos é uma questão de sobrevivência

A concentração cada vez maior de riqueza nas mãos de poucas pessoas é uma marca do capitalismo contemporâneo, indecorosa e insustentável

Taxar os super-ricos é uma questão de sobrevivência
Taxar os super-ricos é uma questão de sobrevivência
A deputada federal Jandira Feghali. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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Na semana passada, a Câmara dos Deputados rejeitou a taxação de grandes fortunas na reforma tributária. A proposta previa uma alíquota de 0,5% para fortunas entre 10 milhões e 40 milhões de reais; 1% entre 40 milhões e 80 milhões; e 1,5% acima de 80 milhões de reais. Quem tem bens no valor de 10 milhões de reais, por exemplo, pagaria proporcionalmente 50 mil de imposto. Ainda assim, foi rejeitada pela Câmara por 262 votos a 136 (e 112 ausências), numa votação que (re)confirmou que boa parte do Congresso legisla apenas a favor do andar de cima do Brasil.

Os parlamentares das federações progressistas do PCdoB-PT-PV, Rede-PSOL e do PSB que compareceram à sessão votaram integralmente a favor da emenda. Entendemos que esta é uma pauta definidora do Brasil que somos e do País que desejamos e podemos ser, em bases menos desiguais. Além disso, taxar os ricos é um tema urgentíssimo no mundo contemporâneo. E também uma questão de sobrevivência para bilhões de pessoas.

Nos últimos 30 anos, a distância entre os mais ricos e os mais pobres só fez crescer em todo o planeta. Um estudo recente da Oxfam constatou que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 5 bilhões de pessoas (cerca de 60% da população global) diminuiu nesse período. No Brasil, 63% dos bens estão nas mãos de 1% da população. Pior: apenas os 3.390 indivíduos super-ricos (ou 0,0016%) detêm 16% de todo o patrimônio do País. Para os 50% mais pobres, sobram apenas 2%.

A concentração cada vez maior de riqueza nas mãos de poucas pessoas é uma marca do capitalismo contemporâneo, indecorosa e insustentável. Em todo o mundo, há uma discussão intensa sobre a taxação de grandes fortunas como forma de reequilibrar a discrepância entre quem só se desloca em jatos particulares e quem não tem dinheiro nem para a passagem de ônibus. Esta redistribuição não seria inédita. Após a Segunda Guerra Mundial, novos modelos de tributação progressiva foram essenciais para a reconstrução da Europa, e geraram recursos para a criação de Estados de bem-estar social, com redução de desigualdades e crescimento das economias nacionais. Nos EUA, o 1% mais rico detinha 16% da renda nacional antes da guerra, mas o índice caiu para 8% após os acordos, e permaneceu em patamar semelhante pelos 30 anos seguintes (até a ascensão do neoliberalismo).

Hoje, porém, os EUA rejeitam a proposta do governo brasileiro de taxar globalmente os super-ricos. Sob a presidência do Brasil, o tema será levado pela primeira vez para a mesa de negociação das principais economias do mundo no G20, que acontece neste mês no Rio de Janeiro. O principal objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que seria subsidiada com a taxação de 2% das fortunas dos 3 mil maiores bilionários do mundo.

Apenas esta medida geraria 250 bilhões de dólares (1,44 trilhão de reais) por ano para ajudar a reduzir a desigualdade entre os países e mesmo internamente. Donos do maior PIB do mundo, os EUA são contrários à proposta. Mas outros países do Norte Global, como Espanha e França, já se posicionaram a favor. Cada vez mais consolidado e ativo, o Sul Global também exige novas soluções. A África do Sul, que assumirá a liderança do G20 após o Brasil, é outra nação a favor da ideia.

Por aqui, já poderíamos ter avançado neste tema há décadas. A Constituição Federal de 1988 já previa que o País deve instituir um imposto sobre grandes fortunas. Estamos, portanto, 36 anos atrasados. Neste tempo, mais de 20 projetos de lei complementar relacionados à criação de um imposto sobre grandes fortunas já tramitaram na Câmara dos Deputados e no Senado. A resistência das elites econômicas e políticas do País tem travado esse avanço até aqui na construção de um País mais justo. “Quando os super-ricos não pagam impostos, é o resto da população que paga”, explica o economista francês Gabriel Zucman, hoje uma das principais vozes mundiais a favor da taxação de grandes fortunas, e que trabalha com o governo brasileiro na proposta que será apresentada no G20.

Outro economista de renome que não reza pela cartilha neoliberal, o indiano C. P. Chandrasekhar acredita que os governos do Sul Global devem aprender uns com os outros “estratégias fiscais eficazes em um mundo no qual a geração de recursos domésticos pelo setor público se tornou mais essencial do que nunca”. Na Colômbia, por exemplo, a reforma tributária de 2022 eliminou diversas isenções fiscais corporativas, restringiu benefícios fiscais de grandes empresas, criou impostos sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados, aumentou as taxas sobre dividendos e recriou um imposto sobre riqueza. No Brasil, onde dividendos não são taxados e o imposto sobre grandes fortunas é demonizado, tentamos projetos semelhantes, retirados de pauta por força do reacionarismo do Congresso atual e do lobby de setores que seriam diretamente impactados pelas medidas. Eu mesma já apresentei e defendi um projeto de lei complementar que estabelecia a taxação de grandes fortunas como fonte para a Saúde, mas nunca consegui avançar com a pauta.

O mal-estar com o atual estágio do capitalismo é global. As turbulências que vivenciamos nos últimos anos são reflexos de 30 anos de desmonte neoliberal e concentração primitiva de riqueza. É preciso muito esforço para lutar contra as novas oligarquias, que extraem seu lucro das desigualdades crescentes e da destruição do planeta. Não é por acaso que boa parte dos super-ricos já se aliou, direta ou indiretamente, aos extremistas de direita – que têm como uma de suas bandeiras a redução e a eliminação de impostos (especialmente para as elites). Por trás de seu discurso vazio de “liberdade” só existe desregulação e miséria. Nossa tarefa é outra: garantir que ninguém morra de fome, viva sem dignidade e acesso aos seus direitos básicos. Debater o capitalismo e suas alternativas é uma tarefa inescapável. Não desistiremos!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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