A ressaca olímpica chega: não só porque nos acostumamos a estar em frente à televisão, acompanhando um esporte que provavelmente sequer conhecíamos antes dos Jogos, mas também porque, diante da exposição ao esporte de alto rendimento, é natural que comparemos os corpos, a performance e a figura de atletas de elite com o ser humano “comum” que somos. A indústria alimentícia, percebendo esse fascínio pelo corpo perfeito, esquece de avisar que não somos atletas de alto-rendimento; somos trabalhadores que enfrentam jornadas exaustivas, preocupações cotidianas e responsabilidades que vão muito além de manter um físico impecável.
Essa lógica do mercado promove, então, uma visão simplificadora da alimentação, conhecida como nutricionismo. Nesse modelo, o valor dos alimentos é reduzido a nutrientes isolados: proteínas, carboidratos e gorduras se confundem em números e fórmulas que fragmentam a alimentação e desconectam a comida de seu contexto cultural, social e histórico. O resultado é uma abordagem que transforma o ato de comer em uma ferramenta para atingir um ideal de corpo e saúde, ignorando a complexidade dos alimentos.
Nesse cenário, a obsessão pela proteína exemplifica essa distorção. Celebrada por seu papel na saciedade e no crescimento muscular, a proteína é colocada em um pedestal que obscurece a necessidade de uma alimentação diversificada, saudável e equilibrada. Produtos
ultraprocessados, carregados de açúcares e gorduras, são vendidos como saudáveis apenas por conterem mais proteína — o que eleva o risco associado a aditivos ocultos.
Um levantamento da InterPlayers, hub de negócios da saúde e bem-estar, aponta que as vendas de vitaminas e suplementos cresceram 38% nos últimos 12 meses no Brasil, em comparação com o mesmo período de 2023. De janeiro a março/2024, o aumento foi de 43% (segundo dados do Sindusfarma). Já o estudo de mercado da ABIAD (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres) aponta que 59% dos lares brasileiros utilizam algum suplemento alimentar.
Além disso, a superabundância de alimentos proteicos pode levar ao consumo excessivo desse nutriente, o que nem sempre é necessário ou benéfico. Embora a proteína seja essencial, as necessidades diárias podem ser facilmente supridas por uma dieta equilibrada e diversificada sem precisar de suplementos. Vale ressaltar que o consumo excessivo de proteínas pode sobrecarregar os rins e causar outros problemas de saúde a longo prazo.
Esse é o retrato da alimentação no capitalismo tardio: funcional, fragmentada e desprovida de significado. Recheada de produtos que prometem resultados rápidos para alcançar o corpo perfeito — e que são promovidos como indispensáveis —, percebemos o distanciamento das pessoas aos alimentos que consomem, ignorando as necessidades reais e as diversidades locais. Em vez de momentos de prazer e conexão, prevalece a contagem de nutrientes. Perdemos símbolos de cultura e memória em benefício de itens de consumo moldados para atender às demandas do mercado.
Superar o nutricionismo exige uma mudança de perspectiva. É necessário resgatar o valor do alimento em sua integralidade — como parte fundamental da cultura, da saúde e do bem-estar físico e mental. Isso significa questionar o papel da indústria que lucra com a venda de ideais inatingíveis e reconhecer que a alimentação não pode ser reduzida a uma fórmula. Precisamos adotar uma abordagem que valorize a comida de verdade, minimamente processada e sustentável. Comer deve ser um ato de celebração, de conexão e de respeito à nossa história e às nossas necessidades. Repensar a alimentação é um ato de resistência à mercantilização da vida.