Opinião

A realidade paralela do Banco Central

O aspecto mais controverso do diagnóstico do BC diz respeito à sua avaliação do cenário doméstico, ao insistir no maior dinamismo do que o esperado, contrário às evidências de desaceleração da economia, contribuindo para deteriorar as expectativas

A realidade paralela do Banco Central
A realidade paralela do Banco Central
O ex-presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
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Há diversos aspectos a analisar na ata da recente reunião do Copom que decidiu reduzir o ritmo de queda da taxa de juros e, provavelmente, suspendê-la no próximo encontro. Duas linhas de argumentação se destacam: a primeira se refere a mudanças ocorridas no cenário Internacional a partir da postura do FED quanto à taxa de juros sob seu controle; a segunda diz respeito às dimensões domésticas particularmente, a evolução do ciclo econômico e da política fiscal e como impactaram as expectativas de inflação.

Com base nesse conjunto de eventos, o Copom resolveu desfazer a convenção que havia criado de redução continuada da taxa de juros, em meio ponto percentual, a cada reunião regular, reduzindo-a em 0,25 e deixando em aberto a continuidade dessa redução.

O boletim Focus posterior à divulgação da ata já reflete as mudanças de expectativas que em grande medida foram induzidas pela nova postura do Banco Central. Assim, por exemplo, como reflexo da reunião do Copom e da divulgação da sua ata, tanto as expectativas de inflação para 2024 e 2025 quanto da Selic para 2024 traduziram-se em números mais elevados. É importante anotar que antes desta reunião, ambas as expectativas mostravam números cadentes. Isto sugere de maneira incisiva que o próprio Banco Central tenha tido um papel crucial na alteração dessas expectativas.

O aspecto mais polêmico e controverso do diagnóstico do Banco Central diz respeito à sua avaliação do cenário doméstico. Eis o que diz o BC: “em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado maior dinamismo do que o esperado.”

Quais indicadores mostram esse dinamismo propugnado pelo BC? O de nível de atividades calculado pelo BC, o IBC_BR, indica desaceleração significativa em 2024: (+1,68% ) em 12 meses contra (+ 1,04%) no ano; e dados mensais para abril, de crescimento negativo: -0,34%  contra mês anterior e  -2,18% contra mês homólogo. Aliás, o que os analistas e o governo têm apontado é uma desaceleração menos intensa do que o previsto e não “maior dinamismo do que o esperado”.

Em uma economia com taxa de crescimento reduzida e com a desorganização herdada da pandemia é sempre possível encontrar um ou outro indicador positivo, resultado de pequenos choques de oferta ou deslocamento da demanda, mas os indicadores gerais medidos de uma forma mais precisa – tomando em conta sazonalidade e comportamentos erráticos – reafirmam um quadro de perda de dinamismo.

A agropecuária teve um desempenho excepcional em 2023, mas as sucessivas avaliações da safra confirmam um declínio da produção em 2024, de cerca de – 7%. Na produção industrial, a despeito de um começo de ano melhor – crescimento de 1,9% no primeiro trimestre contra trimestre homólogo e 0,9% no mês – o dado da média móvel trimestral indica estagnação (0,0%) e o de 12 meses, aumento pouco expressivo, (0,7%). Nos serviços, medidos pelo seu volume, o quadro não é distinto: desaceleração no crescimento –  (1,4% ) em doze meses, (1,2% ) no ano e (0,4%)  no mês – enquanto o índice de base móvel trimestral mostra estagnação para o trimestre findo em março (0,0%).

O que dizer da demanda agregada? O saldo comercial sofreu uma forte queda nos primeiros meses do ano e sua perspectiva é de declínio. Tomando-se o indicador das médias diárias dessazonalizadas percebe-se que a queda se deveu, em maior medida, às exportações. Desaceleração global e queda da safra explicam o movimento. Um indicador aproximado do consumo, o volume de vendas do comércio varejista, indica uma forte desaceleração ao longo do primeiro trimestre de 2024. O tamanho da desaceleração é notável. O crescimento contra trimestre homólogo (+5,9%) foi mais do que o dobro da taxa de 12 meses (2,5%), contrastando com o forte declínio da média móvel trimestral para 1,2% e crescimento nulo (0,0%) em março. Mais um número errático que no caso reflete a postergação das compras do mês de dezembro para janeiro. E isto tanto para o varejo restrito, que depende da massa salarial, quanto o ampliado, que sofre influência do crédito. Este último, no que tange às famílias, teve um crescimento moderado no primeiro trimestre, mas que provavelmente será comprometido pela nova postura do BC e pelos aumentos dos juros futuros.

Para além das controvérsias sobre as metas fiscais e da sua exequibilidade, o que se pode afirmar sem sombra de dúvida é o seu caráter contracionista ao longo de 2024. Um saldo primário que vai de um déficit de 1,2% do PIB para 0% ou 0,5% do PIB é contracionista independentemente de como seja obtido; por aumento da arrecadação ou corte de despesas. O único fator de amenização da contração fiscal será o pagamento dos precatórios de 2023 e 2024 feitos no primeiro trimestre e que, em conjunto com o reajuste do salário-mínimo, respondeu pela menor desaceleração do PIB nesse período.

De maneira surpreendente, os dados disponíveis para o investimento, calculados pelo Ipea, mostram um incremento positivo no trimestre móvel dez/jan/fev, (+5,1%), mas em desaceleração. É importante buscar explicações para este desempenho, pois o investimento responde a estímulos mais profundos e de longo prazo, além de espelhar o dinamismo geral da economia. A taxa de investimento em torno de 16% do PIB expressa, de acordo com a Carta do Ipea, para deterioração do investimento nos últimos anos que levou o investimento líquido para valores negativos; superado na construção, mas ainda presente em máquinas e equipamentos. Nos últimos dez anos, de baixo crescimento da economia, o padrão tem sido de flutuação em miniciclos acentuados. Não há evidências de que esse padrão tenha se alterado, sendo mais provável uma recuperação delimitada.

No que se refere ao mercado de trabalho, chega a ser patético o diagnóstico do Banco Central ao afirmar: “o Comitê reforça que há surpresas recorrentes apontando para elevado dinamismo do mercado de trabalho, o qual se manifesta em múltiplas dimensões”. E nessas múltiplas dimensões elenca indicadores e fontes ad hoc, para provar a sua tese. Em alguns pronunciamentos do presidente e de diretores da instituição chega-se a mencionar a proximidade do pleno emprego na economia brasileira, sem dúvida uma manifestação primorosa da realidade paralela. É indiscutível que nos últimos dois anos houve ganhos no mercado de trabalho, em parte como mecanismo de recuperação dos efeitos deletérios da pandemia, e pelo crescimento médio de 3%, mas uma análise dos indicadores abrangentes não indica dinamismo acentuado e muito menos pleno emprego.

O que diz a taxa de desemprego e de subutilização da força de trabalho pesquisada pela PNAD_IBGE? No primeiro trimestre do ano, a taxa de desemprego aumentou. Sim, aumentou e passou de 7,4% para 7,9%, invertendo um período relativamente longo de queda, pós-pandemia. O mesmo ocorreu com a taxa de subutilização da força de trabalho – que inclui, além dos desocupados, os subocupados, os desalentados e aqueles fora da força de trabalho por motivos involuntários – cujo percentual passou de 17,3% para 17,9% da força de trabalho. Isto compreende 8,6 milhões de desocupados e  11,3 milhões de subutilizados perfazendo um total de 19,9 milhões de pessoas disponíveis para trabalhar ou ampliar seu número de horas trabalhadas. Pleno emprego? O Banco Central ignora esses números e prefere afirmar que: “primeiramente, as expectativas para a taxa de desemprego coletadas pela Pesquisa Focus, tanto de curto quanto de médio prazo, vêm se reduzindo ao longo dos últimos trimestres”. Ora, de onde provêm esses dados da Pesquisa Focus? E se a realidade se opõe às expectativas, o que faz o Banco Central: abandona a realidade e vai em busca do mundo paralelo?

Há outros aspectos a destacar do mercado de trabalho. O mais importante é o crescimento negativo da ocupação total, para o primeiro trimestre do ano (-0,6%) contrastando com o aumento da desocupação (+6,7%). Aliás, neste trimestre a ocupação só aumentou para empregados domésticos com carteira (+3,5%), e militar e funcionário público estatutário (0,6%). E o emprego formal? Crescimento zero para os assalariados com carteira, negativo para o mesmo agrupamento no setor público (-4,8%). Assim, o emprego formal só cresce entre os empregados domésticos. É o dinamismo do mercado de trabalho do universo paralelo do Banco Central.

Esses dados podem ser confrontados, embora não diretamente comparados, com aqueles do Caged, que são declarados pelas empresas e dizem respeito especificamente ao emprego formal. Eles são ambíguos. pois mostram para o primeiro trimestre do ano um crescimento razoável do total do emprego (+ 1,6%) mas com a continuidade da piora da sua qualidade. O número deve ser considerado bom, mas não excepcional quando comparado com uma série histórica mais longa do próprio Caged. Ele se situa num valor intermediário dos períodos de grande expansão do emprego formal, como no ciclo 2004/2013. E cabe lembrar que a trajetória do emprego nos anos 2021/2024 reflete também uma recuperação ante o péssimo desempenho – negativo ou estagnado – entre 2025 e 2020. Ademais, o que chama mais a atenção no período recente é a deterioração da qualidade desse emprego formal: cerca de 92% dos empregos criados têm remuneração inferior a 1,5 salários-mínimos; por sua vez, 23% dos novos empregos são de atípicos, ou seja, com relações de trabalho precárias.

Aqui cabe um comentário específico sobre a afirmação do Banco Central: “ademais, a geração de empregos formais se mantém em níveis fortes e permanece uma proporção alta de desligamentos voluntários.” Isto, segundo o BC, mostraria dinamismo, pois traduziria um grande aumento das oportunidades de empregos de melhor qualidade que faria com que as pessoas se desligassem voluntariamente em busca dos mesmos. Isto é negado de forma cabal por dois indicadores:  pelo aumento expressivo de pedidos de seguro-desemprego que crescem 13%, passando de uma média mensal de 566 mil no último trimestre de 2023 para 639 mil no primeiro de 2024, atestando o peso da demissão involuntária. Também é inconsistente com o comportamento do salário médio de admissão em novos empregos cujo crescimento foi moderado em 2023.

A propósito do comportamento das remunerações, cabem comentários adicionais. Já foi referido o baixo dinamismos dos salários no setor formal, cujo crescimento em 2023 foi de apenas 1,1%. Surpreende que no primeiro trimestre de 2024 este crescimento tenha acelerado para 1,7% por conta de aumento de 3,8% em janeiro, logo seguido de duas quedas. Um olhar menos viesado dos números mostra que ele não resulta de dinamismo do mercado de trabalho, mas de um padrão sazonal ou uma forma particular declaração dos rendimentos dos trabalhadores pelas empresas. Em 2023 e 2022 esse aumento em janeiro foi ainda maior: 4,6% e 6,0%, respectivamente, e no cômputo do ano o salário real cresceu apenas 1,1% em 2023 e caiu -2,6% em 2022.  Quanto aos dados da PNAD, um aspecto nem sempre destacado se refere ao fato de que só no primeiro trimestre de 2024 o rendimento médio de todas as ocupações recupera o patamar imediatamente anterior à pandemia.

Ademais, o período recente revela um aspecto peculiar: as remunerações que aumentam de forma relevante são aquelas dos trabalhadores informais, ou seja, trabalhadores sem carteira do setor privado, domésticos, do setor público, e conta própria sem CNPJ. O que isto significa? Que esse aumento está mais associado à correção do salário-mínimo em janeiro de 2024 e não a um pretenso dinamismo do mercado de trabalho. Não há como não concluir que a percepção do Banco Central sobre o mercado de trabalho constitui um capítulo de destaque no seu universo paralelo.

A análise sobre a inflação do Copom é um tanto quanto enigmática ao concluir que os dados são bons, mas as projeções são ruins. Vejamos: “o Comitê avaliou que os dados referentes à inflação corrente se mostraram benignos, tanto na inflação cheia quanto nos núcleos de inflação. Após uma sequência de surpresas altistas, notou-se arrefecimento dos núcleos de inflação, embora em níveis acima da meta”.

Ora, qual é o aspecto relevante da realidade objetiva? O dado que importa – e importa mais no caso de uma economia exportadora de commodities como a brasileira – é o núcleo da inflação ou a média dos vários núcleos. Seu cálculo de 12 meses, comparável diretamente com a meta de inflação, mostra queda para alguns destes núcleos desde o último trimestre de 2022 e, para todos, desde o início de 2023. Esse é um aspecto da realidade que deve ser ressaltado: todos os núcleos de inflação são declinantes há mais de um ano.

E quanto à constatação de que a despeito de declinantes eles ainda superam o centro da meta? Embora o valor de 3,54% já esteja abaixo do teto da meta, uma discussão de fundo nesse caso deveria questionar o valor da meta para uma economia com as características da brasileira e, ainda mais, a sua redução de 3,25% para 3,0% decidida pelo CMN em junho de 2023. Mas, a despeito disso eles são declinantes e se continuam assim o centro da meta será atingido alguns meses adiante. E nada autoriza a concluir que não se comportarão dessa maneira. Um indicador ultra-exigente quanto a esse aspecto, e que indica um comportamento mais de ponta dos núcleos, a média de 3 meses da variação anualizada com ajuste sazonal, a despeito de algumas flutuações, também é consistentemente declinante, inclusive no período recente.

Ora, com tais evidências, o que faz o Banco Central concluir que: “em sua conclusão, o Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada. Observou surpresas benignas no período recente, mas também elevação das projeções de prazos mais curtos, envolvendo preços livres e administrados. Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária”? O confronto de dados benignos com a evolução com projeções malignas e a decisão de seguir estas últimas só encontra respaldo na realidade paralela.

O que pensar dos impactos da política fiscal, sobretudo do anúncio da mudança lateral da meta de superávit primário anunciada pelo Ministério da Fazenda? Diz o BC: “ainda que as projeções de resultado primário e de trajetória da dívida não tenham se alterado significativamente, observou-se, no período, um aumento do prêmio de risco e uma percepção de piora da situação fiscal, de acordo com os agentes que respondem o Questionário Pré-Copom”.

De novo, não há alteração da situação objetiva, mas uma “percepção de piora na situação fiscal”. Com base em quais indicadores? Aqui, os motivos verdadeiros parecem estar noutro plano paralelo e não no dos números objetivos. O relativo insucesso da Fazenda em entregar a meta de superávit primário prometida para 2025 e o ajuste de 0,5% p.p do PIB em razão do maior crescimento de gastos obrigatórios e limitações ao crescimento das receitas criaram uma disjuntiva: corrigir a meta, mesmo que lateralmente, ou iniciar um processo de corte de gastos. A preferência do BC e dos mercados pela segunda alternativa é notória, e como a Fazenda não seguiu suas orientações, as percepções pioraram.

No que diz respeito à mudança da postura do FED quanto à redução de juros, o diagnóstico do Banco Central é aderente à realidade ao afirmar que: “o ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada e persistente referente ao início da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países”.

Incerteza é uma boa definição para qualificar a mudança da postura dos mercados financeiros americanos, embora ela tenha sido construída na subjetividade dos interesses, pois o FED em nenhum momento se comprometeu com a trajetória de juros pretendida pelo mercado. Em várias oportunidades deu sinalizações contrárias ao relaxamento próximo de sua postura.

O efeito imediato de tal mudança de posicionamento do mercado foi a de um aumento das taxas de longo prazo e uma reprecificação generalizada dos ativos. Todavia, boa parte dessa queda de preços – com exceção das commodities – foi recuperada um mês após, deixando como subproduto uma ampliação da incerteza. Essa mudança de cenário com ampliação da volatilidade criou constrangimento potencial à redução das taxas de juros no Brasil. É preciso destacar que este constrangimento é condicional, de um lado porque o diferencial de taxas de juros entre a Selic e a policy rate ainda é bastante amplo, estando na casa de 5,5%. Por sua vez, a sinalização do Fed tem duração incerta e pode ser revista na direção de flexibilizar tanto o início quanto o ritmo de queda dos juros. De qualquer modo, é uma questão que não deveria afetar as decisões imediatas do Banco Central do Brasil, dado o colchão de proteção criado por uma taxa doméstica de juros exótica.

É curioso que eventos favoráveis, desfavoráveis de menor magnitude ou que apenas tornaram o cenário externo mais incerto tenham tido a capacidade de alterar tão drasticamente as expectativas, no Brasil. Segundo o BC: “de forma mais relevante, o Comitê unanimemente avalia que se deve perseguir a reancoragem das expectativas de inflação independentemente de quais sejam as fontes por trás da desancoragem ora observada. A reancoragem das expectativas de inflação é vista como elemento essencial para assegurar a convergência da inflação para a meta”.

Por essa e outras citações das falas e atas do Banco Central percebe-se que as expectativas são o lado mais obscuro do universo paralelo do Banco Central e de seus interlocutores. Ao contrário do que postula o BC, é crucial discutir e investigar as causas da desancoragem das expectativas, afinal, elas podem ser um elemento perturbador da trajetória da inflação.

De acordo com o economista do FED de Washington Jeremy Rudd, não há uma teoria subjacente e robusta para explicar o comportamento das expectativas que deve ser entendido a partir da formação de convenções. Ora, se isto é verdadeiro, não há como deixar de concluir que a ação e as interpretações do Banco Central, aqui e alhures, pelo seu peso como autoridade monetária são cruciais para a formação dessas expectativas. Discursos e manifestações recorrentes sobre “riscos fiscais”, aquecimento da economia e dinamismo do mercado de trabalho foram essenciais para desancorar as expectativas de inflação, a despeito da sua trajetória benigna e do crescimento econômico moderado.

A realidade paralela do Banco Central não se refere à trajetória da economia real e ao comportamento da inflação, mas diz respeito ao jogo de interesses da financeirização. Mas, a um tipo particular de financeirização, atrasada e parasitária. Ao contrário de países desenvolvidos onde o capitalismo é sobretudo um jogo de escolha de portfólios diversificados utilizando-se do crédito como uma alavanca essencial, que produz bolhas de preços, mas também dinamismo associado a elas, a financerização parasitária é quase somente uma busca de ganhos decorrente da propriedade de ativos e das suas altas taxas de juros.

Os rentistas da terra possuem ativos adquiridos sem alavancagem significativa, pois o custo desta última é muito elevado. Seu principal ativo, que alcança 77% da sua riqueza financeira, é a dívida pública. Assim, ganham principalmente nos juros elevados dessa última e, ademais, estão, em boa medida protegidos contra a flutuação patrimonial dos títulos, pela indexação financeira.

De acordo com o último relatório da dívida pública, 31% do total tem a proteção da inflação, 44% tem indexação por taxas flutuantes e apenas 25% dos títulos são pré-fixados. Assim, os rentistas, em particular os grandes players, são sócios dos aumentos de juros, ao contrário da financeirização nos países avançados, nos quais uma elevação desses últimos produz ganhadores e perdedores.

Ademais, juros altos recorrentes tornam-se um obstáculo crucial ao crescimento econômico e nessas circunstâncias a única forma de controlar o crescimento da dívida pública é por meio do superávit primário. E tudo isso com ingerência recorrente do Banco Central, nesse caso, sem universo paralelo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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