

Opinião
Falso alarme
A mudança na cúpula do Tribunal Superior Eleitoral não deve ter impacto significativo nas eleições municipais, tampouco no combate à difusão de fake news


A Justiça Eleitoral desempenha papel central na organização e regulação das eleições. A recente alteração no Tribunal Superior Eleitoral gerou inquietações não apenas sobre o julgamento de casos sensíveis, mas também sobre os impactos da mudança na composição da cúpula da Justiça Eleitoral, especialmente em anos de eleições municipais.
Assumindo que a composição de órgãos decisórios colegiados importa para o resultado de sua atuação, convém atentar para particularidades da estrutura e da dinâmica da atuação da Justiça Eleitoral, visando evitar alarmismos. Em primeiro lugar, o TSE retém competência normativa, mas não atua diretamente na resolução de litígios no nível local.
A judicialização das eleições municipais concentra-se mais nos estados: são os juízes eleitorais e, em nível recursal, os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) que são preferencialmente acionados pelo Ministério Público e/ou pelas candidaturas nas disputas municipais ou estaduais.
O TSE, que nas eleições presidenciais opera diretamente nas contendas judiciais, atuará nas eleições principalmente na dimensão normativa da governança eleitoral. É sobre a capacidade do tribunal de estabelecer as regras da disputa no nível local que a questão sobre a mudança no comando e na composição deve ser colocada.
Nesses limites, nem as divergências entre a presidente Cármen Lúcia e o vice Nunes Marques, ou mesmo o abrigo de André Mendonça entre seus ministros efetivos, têm o condão de alterar substancialmente a performance democrática militante do TSE.
Sob a presidência de Cármen Lúcia – e a despeito das divergências de Marques e Mendonça –, a tendência é de que o TSE siga trajetória bem-sucedida de enfrentamento do que talvez seja o maior desafio da Justiça Eleitoral: a garantia da integridade eleitoral diante da desinformação.
Isso porque se trata de processo incremental, de modo que a ministra vai beneficiar-se dos esforços empreendidos desde as eleições de 2018, quando os ministros do STF, que atuam em rodízio na presidência do TSE, formaram uma coalizão que passou a agir de modo organizado diante de ameaças que o ecossistema de desinformação e violência representam para o processo eleitoral e, consequentemente, para a vitalidade da democracia.
O TSE não apenas capacitou sua burocracia, como também estabeleceu convênios com experts e a sociedade civil na formação de redes de monitoramento de fake news, avançando na regulamentação do uso das redes sociais e, mais recentemente, da Inteligência Artificial.
O ativismo normativo do TSE gerou certa mobilização dos legisladores que aprovaram mudanças para as próximas eleições, visando o combate à desinformação. Para 2024, o TSE preparou regulamentação abrangente, com resoluções sobre Inteligência Artificial na propaganda e que modificam a responsabilidade das plataformas. Uma consequência dessas novas diretrizes foi a decisão do Google de suspender anúncios políticos no Brasil durante as eleições municipais.
O nível de institucionalização do combate às fake news e à desinformação não apenas facilita o trabalho de Cármen Lúcia, como também limita as possibilidades de os ministros Nunes Marques e André Mendonça oferecerem resistência. Divergências manifestam-se precipuamente no nível jurisdicional, sendo reduzidas pelo limitado escopo da competência do TSE em eleições municipais. Em outras palavras, os julgamentos dos registros e dos mandatos para prefeitos e vereadores, que poderiam ensejar divergências sobre a caracterização de fake news, tendem a ser resolvidos nas instâncias inferiores da Justiça Eleitoral.
Cármen Lúcia deve ser capaz de dar sequência à trajetória do TSE na defesa da democracia, podendo, aliás, ajustá-la não apenas em intensidade – em razão de seu perfil menos combativo que o de Alexandre Moraes –, mas também no seu conteúdo, pela preocupação com a participação feminina e o banimento da violência política de gênero. •
Publicado na edição n° 1311 de CartaCapital, em 22 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Falso alarme’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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