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Briga na lama

Joe Biden adere ao estilo de insultos e provocações de Donald Trump

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MMA. A equipe do atual presidente decidiu descer ao nível do adversário. Para o republicano, vale tudo na eleição – Imagem: Gage Skidmore e Brendan Smialowski/AFP
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Com uma das eleições mais importantes da história dos Estados Unidos em novembro próximo, seria compreensível que Donald Trump e Joe Biden recorressem a uma retórica elevada e digna, que tentassem igualar os nobres ideais de George ­Washington, Thomas Jefferson e o resto dos pais fundadores da nação.

Os eleitores norte-americanos, e a classe política, estão habituados há muito tempo com a retórica carregada de insultos e muitas vezes grosseira de Trump. “Tudo o que Joe Biden toca vira merda”, disse o republicano na Geórgia, no início deste mês, durante um comício no qual também zombou da gagueira do adversário. Recentemente, Biden e sua equipe de campanha parecem, no entanto, ter decidido combater fogo com fogo, depois de, anteriormente, terem procurado manter-se acima da briga. É uma mudança que parece aceitar que Trump mudou os padrões da política norte-americana e que é mais eficaz abraçar essa ideia do que permanecer fora da luta.

Também reflete, provavelmente, a ameaça única que a tentativa de Trump de regressar à Casa Branca para um segundo mandato representa para a democracia do país e que a hora de abrandar a luta passou há muito tempo. Para muitos, os insultos de Biden e de sua equipe não são apenas um jogo político duro, mas cheiram a verdade. Nos últimos meses, o democrata apelidou Trump de “mentalmente inapto”, e sua campanha declarou que os Estados Unidos “merecem algo melhor que um Donald Trump fraco, confuso e cansado”.

A campanha do presidente apelidou Trump de “fraco e desesperado, como homem e como candidato à Presidência”. Eles também começaram a chamar o republicano, que diz ser multibilionário, mas recentemente não conseguiu pagar uma fiança de 454 milhões de dólares ordenada pelo tribunal – de “Broke Don” (Donald falido). É uma mudança notável para Biden, que há menos de um mês causou surpresa ao se referir a Trump apenas como “meu antecessor” durante o discurso sobre o Estado da União.

Marjorie Hershey, professora emérita de Ciência Política na Universidade de ­Indiana em Bloomington, sugeriu que a razão para a mudança é muito simples. “O que ele fazia antes, obviamente, não estava funcionando. Normalmente, todos aprendemos com as más experiências, e nas pesquisas Biden ficou atrás de um candidato francamente odiado por quase metade do eleitorado”, resumiu. “Acho que Biden estava sob pressão considerável de seus assessores, de ativistas, para fazer algo diferente.” Notavelmente, as pesquisas recentes mostraram que Biden está à frente de Trump em seis estados-chave, depois de seus apoiadores terem recebido um sinal de alerta quando o titular do cargo relatou números desanimadores.

Até agora, Biden parece abraçar totalmente sua nova personalidade. Na quarta-feira 27, o presidente, que não é conhecido por seu timing cômico, até fez uma piada à custa do rival. “Outro dia, um homem de aparência derrotada aproximou-se de mim e disse: ‘Senhor presidente, preciso de sua ajuda. Estou com uma dívida esmagadora. Estou completamente arrasado’”, Biden riu. “Eu disse: ‘Desculpe, Donald, não posso ajudá-lo’.”

Embora a campanha negativa não seja nova, Trump levou a prática a um novo nível quase desde o momento em que anunciou sua candidatura à Presidência, em junho de 2015. Na época, ele afirmou que seus rivais à nomeação presidencial tinham “suado como cães” durante seus eventos de campanha e disse que o México enviava “estupradores” para os EUA. O republicano passou os últimos quatro anos a bombardear o sucessor com insultos, e agora parece que Biden e sua equipe decidiram que devem responder na mesma moeda.

A campanha do atual presidente tenta colar no adversário a imagem de fraco e inepto

Com Biden no ringue político a revidar com socos verbais, ele aproximou-se do meme “Dark Brandon”, popular entre alguns de seus apoiadores. Esse conceito, que frequentemente retrata Biden com olhos de laser vermelhos, imagina o presidente como uma espécie de herói nervoso ou mesmo anti-herói, o tipo que não pensaria duas vezes antes de parabenizar sarcasticamente um adversário pela vitória num torneio de golfe.

De acordo com um estudo publicado em 2023, “a frequência de palavras de emoção negativa” usadas pelos políticos norte-americanos “aumentou repentina e duradouramente” quando Trump entrou na corrida presidencial de 2016. Pesquisadores analisaram citações de políticos em milhões de artigos noticiosos e descobriram que o uso de linguagem negativa começou a diminuir durante a Presidência de Barack Obama. “Então, em junho de 2015, precisamente o mês em que Trump iniciou sua campanha, houve um enorme salto em negatividade”, disse Robert West, professor da escola de ciências da computação e da comunicação do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça e um dos autores do estudo.

Por enquanto, é difícil dizer se Biden contar piadas sobre Trump será uma estratégia vencedora. Há evidências, entretanto, de que os eleitores republicanos e democratas veem cada vez mais os integrantes do partido adversário com desprezo. Em 2022, a Pew Research descobriu que 72% dos republicanos consideravam os democratas “mais imorais” do que o cidadão médio, em comparação com apenas 47% que se sentiam assim seis anos antes (63% dos democratas consideravam os republicanos mais imorais, contra 35% em 2016). Nesse clima, talvez haja um verdadeiro apetite entre os apoiadores de Biden para que ele ataque Trump.

Embora alguns digam que uma estratégia de campanha negativa é eficaz, outros, como Stephen Craig, professor de ciências políticas na Universidade da Flórida, que estudou campanhas políticas, apontam que nem sempre é o caso. “Há uma enorme quantidade de literatura que testa a eficácia dos anúncios negativos, e também a negatividade em outros meios de comunicação, sejam discursos, rádio ou correio, e o resultado final é que às vezes funciona, às vezes não.”

Na era moderna, apenas Trump abraçou totalmente a zombaria e os insultos como campanha presidencial, embora durante a eleição de 1988 a equipe de George W. Bush tenha se beneficiado bastante ao zombar de Michael Dukakis, seu adversário, por tentar parecer durão num tanque militar.

Ao recuar no tempo, descobrimos, porém, que os pais fundadores não eram tão educados. Na eleição presidencial de 1796, em que John Adams derrotou ­Thomas Jefferson, o grupo de ­Adams afirmou que Jefferson promoveria a prostituição e o incesto e sugeriu que o oponente havia tido um caso com uma mulher escravizada. Os defensores de ­Jefferson, entretanto, alegaram que Adams era hermafrodita e o apelidaram, por estar acima do peso, de “Sua Rotundidade”.

Nem Biden nem Trump, por enquanto, desceram tanto, mas ainda faltam sete meses para o dia da eleição. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1305 de CartaCapital, em 10 de abril de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Briga na lama’

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