CartaCapital
Taxar os alimentos nocivos
A criação do imposto seletivo para os ultraprocessados é a mais eficaz política pública de desestímulo ao consumo de produtos maléficos à saúde


O Brasil é reconhecido internacionalmente pela excelência da sua política de controle do tabagismo. Registra uma das menores taxas de prevalência de fumantes do mundo. Isto se deve, sobretudo, à política pública implementada ao longo das últimas décadas, sob liderança do Ministério da Saúde, baseada em quatro pilares: banimento das propagandas e rigoroso controle da publicidade do fumo; proibição de uso do tabaco em ambientes fechados e de fumódromos; tratamento gratuito no SUS; e elevação expressiva dos impostos.
Essa última medida, em particular, é apontada como determinante para a diminuição do uso de tabaco e seus derivados, principalmente entre as classes populares. Muitos leitores ainda devem lembrar-se do tempo em que se vendia cigarro a menos de 1 real o maço.
O impacto das medidas sobre as taxas de mortalidade, internações e controle de doenças – como as cardiovasculares, neoplasias e pulmonares – é indiscutível. Tratou-se, sem dúvida, de uma conquista civilizatória da sociedade brasileira, ainda que atualmente ameaçada pelas iniciativas que visam regularizar a comercialização dos cigarros eletrônicos.
É chegada a hora de avançar no enfrentamento de outro grave problema de saúde pública: a má alimentação. Para além de enfrentar a fome, que regressou de forma estúpida e vergonhosa nos últimos anos, vivemos uma epidemia de obesidade, que avança sistematicamente em todos os gêneros e faixas etárias.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (2020), 96 milhões de brasileiros estão com sobrepeso, ou seja, 60,3% da população. Além, disso, um em cada quatro brasileiros é obeso, num total de mais de 41 milhões de pessoas. Mais grave ainda é o quadro da saúde infantil: dois terços das crianças com até 2 anos têm sobrepeso e um terço está obeso. As perspectivas para as próximas décadas, se nada for feito, são sombrias.
Trata-se de uma questão multifatorial, mas a má alimentação é fator preponderante na configuração desse tenebroso quadro. Em particular, destaca-se o crescente consumo de alimentos ultraprocessados, particularmente entre os mais pobres, por sua acessibilidade, alegada praticidade e menores preços, em detrimento de alimentos saudáveis, naturais ou minimamente processados. Estima-se que 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos morrem todos os anos, no Brasil, por causa do consumo desses produtos.
Alimentos ultraprocessados passam por várias etapas industriais e apresentam características maléficas ao nosso organismo, por conterem aditivos e excesso de gorduras, açúcares e sódio, além de pouca quantidade de fibras. Como exemplo podemos citar refrigerantes, sucos artificiais, biscoitos recheados, salgadinhos, pizzas congeladas, molhos prontos e macarrão instantâneo, entre outros produtos presentes à mesa dos brasileiros.
De acordo com o Guia de Alimentação Saudável do Ministério da Saúde, referência internacional reconhecida e recomendada para outros países pela OMS e pela FAO, eles devem ser evitados. Quando consumidos em grandes quantidades, esses alimentos favorecem o desenvolvimento de graves problemas de saúde, como obesidade, diabetes, hipertensão, demências e cânceres.
A reforma tributária de 2023 representa um marco na transição para um sistema mais racional e eficiente e também uma oportunidade para que se garanta uma sociedade mais justa e saudável.
Isso exige que produtos nocivos à saúde, como cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados sejam mais tributados, de modo a que se desestimule seu consumo. Além disso, não devem receber qualquer tratamento fiscal favorável, com alíquotas reduzidas.
Alimentação saudável é um direito previsto em nossa Constituição Federal. É preciso estimular o consumo pela população de produtos que componham a cesta básica nacional de bens com alíquota zero, um cardápio composto de alimentos saudáveis, essenciais à vida, como arroz, feijão, frutas, legumes e grãos. E desincentivar, por meio do imposto seletivo, os ultraprocessados.
A tributação é a política pública mais eficaz para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e mais de 55 países já a adotam para alimentos ultraprocessados.
A hora é agora. É preciso mobilizar a sociedade. Não bastam advertências na parte frontal das embalagens. O governo federal e o Congresso Nacional têm a oportunidade de avançar significativamente na garantia do direito à alimentação adequada e saudável ao implementar o imposto seletivo para produtos ultraprocessados.
É fundamental que os ultraprocessados, ao lado do tabaco e do álcool, entrem no rol dos produtos nocivos à saúde. •
Publicado na edição n° 1298 de CartaCapital, em 21 de fevereiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Taxar os alimentos nocivos’
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