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Uma vida real, mas inventada

José Luís Peixoto combina biografia e romance para narrar, a partir da velhice, a história do empresário português Rui Nabeiro

Uma vida real,  mas inventada
Uma vida real,  mas inventada
Imagem: Patrícia Santos Pinto
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Na obra do escritor português ­José Luís Peixoto, a memória e seus meandros têm um papel fundamental. E não é diferente Almoço de Domingo, que foi originalmente publicado em 2021 e chega agora ao Brasil. Mas, no novo romance, o autor, embora se mantenha ancorado à memória, experimenta diferentes gêneros, atravessando narrativas como a biográfica e a histórica.

“O passado tem de provar constantemente que existiu. Aquilo que foi esquecido e o que não existiu ocupam o mesmo lugar. Há muita realidade a passear-se por aí, frágil, transportada apenas por uma pessoa”, diz o narrador. Esta é uma questão fundamental do livro: o lugar único que uma pessoa e suas lembranças ocupam no mundo.

Para investigar essa questão, o autor acompanha três dias na vida do empresário português Rui Nabeiro, às vésperas de ele completar 90 anos. Olhando para trás, a narrativa propõe-se a relembrar sua existência – e a de sua família – num fluxo labiríntico da memória.

Foi o próprio Nabeiro, fundador da Delta Cafés, morto em março de 2023, quem escolheu Peixoto para escrever sobre sua vida. Ele tomou essa iniciativa após assistir a uma entrevista do escritor, que aceitou o convite sob a seguinte condição: seria uma biografia combinada com elementos do romance. O resultado é um livro que narra fatos reais valendo-se de ferramentas da ficção.

ALMOÇO DE DOMINGO. José Luís Peixoto. Companhia das Letras (216 págs. 69,90 reais) – Compre na Amazon

Para “provar que o passado existiu”, Almoço de Domingo, que tem um quê das narrativas de Saramago, apoia-se nas evidências da existência dos outros tempos já vividos. Da infância de dificuldades numa família pobre à fundação do Grupo Delta, a vida de Nabeiro percorre caminhos inesperados, narrados sem nostalgia, e de forma cristalina.

Aqui e ali emergem nomes públicos, como Marcello Caetano, apoiador da ditadura de Salazar em Portugal, Mário ­Soares, ex-presidente português, e Felipe González, ex-presidente espanhol. Mas é Alice, esposa e grande amor da vida de Nabeiro, quem surge como figura central para a construção do livro. Ela dá norte à narrativa, como parece ter dado à vida do empresário.

Também tem forte presença a família de Nabeiro, que inclui o tio Joaquim, a mãe, o pai, o irmão António e as irmãs Clarisse e Cremilde, e que foi sua base por toda a vida.

Almoço de Domingo celebra uma existência inteira, numa prosa que faz justiça aos percursos da memória. Nabeiro deve ter ouvido várias vezes a famosa frase: “Sua vida daria um livro”. E deu mesmo. Um livro excelente. •

Publicado na edição n° 1296 de CartaCapital, em 07 de fevereiro de 2024.

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