Esporte

assine e leia

Zagallo, capítulo II

O treinador montou o vitorioso Botafogo dos anos 1960. Estava no time, mas a tentativa de me colocar como falso ponta-esquerda foi um grande fiasco

Zagallo, capítulo II
Zagallo, capítulo II
Registro de Mario Jorge Zagallo durante a final da Copa do Mundo de 1998, na França. Foto: Gabriel Bouys/AFP
Apoie Siga-nos no

Depois de promover alguns jogadores da vitoriosa equipe juvenil de 1967, entre eles Cao, Moreira, Chiquinho (Cafuringa), Negão, Valtencir, Zélio e Rogério, o treinador Zagallo começou a estruturar o Botafogo para um período glorioso, que se estenderia até 1970. Contou com o auxílio do Neca, grande jogador e responsável pela garotada que treinava no campo da Nova América, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Na tentativa de adaptar o time ao seu sistema de jogo, com um falso ponta-esquerda, Zagallo me convocou para ocupar a função. À época, eu já era titular do Botafogo e tinha como característica principal a habilidade com a bola. Eu bem que tentei, mas para mim foi impossível naquelas circunstâncias. Recordo-me de uma partida marcante contra o Corinthians no Maracanã. Chegou a ser ridículo, quase cômico.

O clube paulista, como todo “time de massa”, jogava marcando em cima. Eu, magricelo, recebia a bola do lateral-esquerdo Dimas e tinha pela frente o compadre Zé Maria, com aquela saúde de ferro. Ídolo da torcida corintiana, recebeu o apelido de “Super Zé”, tamanha garra que demonstrava em campo. Impossibilitado de vencê-lo no drible e com o meio de campo congestionado, eu devolvia a bola para o lateral. Uma, duas vezes. Na terceira, o público começou a vaiar, e com toda razão.

Foi um vexame. Como se diz na gíria do futebol, fui logo “sacado” do time. Pedi a Zagallo para não me escalar novamente naquela posição, que não era para mim. A capacidade de arranque e a velocidade nunca foram meus pontos fortes. Em Belo Horizonte, a cena voltou a se repetir contra o Atlético no Mineirão lotado. O treinador me escalou sem conversar antes comigo. Mais uma vez, fui sacado com 15 minutos de jogo. Saí cuspindo marimbondos.

Numa mudança de diretoria, fui chamado pelos dirigentes para uma conversa no espaço de duchas e massagens. Pediram um esclarecimento e ficou acertado que eu ficaria na reserva do meio-campo. Deveria aguardar a oportunidade de jogar na minha posição característica.

Fiquei pouco tempo no banco e surgiu um jogo contra o América pelo Campeonato Carioca. Os “rubros” tinham formado um timaço com Edu, Almir Pernambuquinho e companhia. Estavam arrasando. Para a minha surpresa, a escalação saiu sem o Gerson, mas não fui acionado para substituí-lo. Em vez disso, foram escolhidos Nei Conceição e Carlos Roberto, dois volantes ou “cabeças de área”. Procurei os diretores do Botafogo e disse que o trato havia sido rompido, recusava-me a seguir para a concentração.

Eles argumentaram que não haveria tempo para chamar outro companheiro e não poderia deixar o grupo em má situação. Aceitei a explicação e fui para o estádio carregado de mágoas. Do banco de reservas, vi o América fazer 2 a zero com pouco tempo de jogo. A torcida do Botafogo começou a vaiar e pediu a minha presença no campo. Depois que entrei, a história mudou. O jogo terminou empatado em 2 a 2.

Naquela partida, um episódio fez aumentar ainda mais minha admiração pelo espírito guerreiro do Almir Pernambuquinho, irmão do Adílson, meu parceiro no Vasco. Com sua vasta experiência, quando ele notou a mudança na situação do jogo e tínhamos feito o primeiro gol, veio lá de sua posição de centro-avante e atravessou o vasto Maracanã daquela época para me intimidar com uma chegada no tornozelo. Escapei daquela e não dei mais brecha, mas não posso deixar de reconhecer sua apurada leitura de jogo. Ainda resta um capítulo.

Reconhecimento

Na segunda-feira 15, foram anunciados os vencedores do Fifa The Best, a premiação mais valorizada do futebol mundial. O que realmente me emocionou foi ver um jovem atleta brasileiro, do Botafogo de Ribeirão Preto, no interior paulista, receber o troféu do gol mais bonito da temporada.

Guilherme Madruga levou o Prêmio Puskás por um golaço de bicicleta na partida em que seu time bateu o Novorizontino pela Série B do Campeonato Brasileiro. Difícil entender a inspiração para tentar uma jogada daquelas, sendo esse o encanto do futebol. Recém-contratado pelo Cuiabá, estará na Primeira Divisão da competição nacional no próximo ano.

A brasileira Marta também recebeu uma homenagem merecidíssima. A camisa 10 do Brasil vai dar nome a um novo prêmio criado pela Fifa, para a autora do gol mais bonito no futebol feminino. No ano passado, ela se despediu das Copas do Mundo como a maior artilheira da competição, com 17 gols em seis edições disputadas. O Prêmio Marta será a versão feminina do Prêmio Puskás – esse último criado em memória de Ferenc Puskás, atacante da lendária seleção húngara dos anos 1950. Os jogadores entraram para a história como os “Mágicos Magiares”. •

Publicado na edição n° 1294 de CartaCapital, em 24 de janeiro de 2024.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

10s