Política
‘O homem vai ficar puto’: Diálogos detalham acusação da Lava Jato contra filha de José Dirceu
Semanas antes, Dirceu havia sido preso pela Polícia Federal na 17ª fase da Lava Jato. As conversas, mantidas via Telegram, fazem parte do acervo da Operação Spoofing


Mensagens no acervo da Operação Spoofing detalham os preparativos na força-tarefa da Lava Jato para apresentar uma denúncia contra Camila Ramos de Oliveira e Silva, filha do ex-ministro José Dirceu, liderança histórica do Partido dos Trabalhadores.
As conversas foram mencionadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes na decisão, publicada nesta terça-feira 29, em que reconhece a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e anula condenações de Dirceu.
“Os diálogos da Vaza Jato jogam luz sobre essa face menos visível dos abusos cometidos pela força-tarefa”, anotou o decano da Corte.
A troca de mensagens ocorreu a partir da noite de 30 de agosto de 2015, via Telegram. Semanas antes, Dirceu havia sido preso pela Polícia Federal na 17ª fase da Lava Jato. A sequência dos diálogos e dos acontecimentos indica que a ofensiva contra a filha serviria como estratégia de pressão sobre o ex-ministro.
A denúncia contra Camila foi oferecida pelo Ministério Público Federal no início de setembro daquele ano. Ela foi acusada na mesma peça que envolveu Dirceu e mais 15 pessoas. O MPF alegou que a filha do petista teria comprado um imóvel de 750 mil reais com dinheiro proveniente de propinas oferecidas por empreiteiras envolvidas em fraudes na Petrobras.
Dias depois, o então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), Sergio Moro, rejeitou a acusação, decisão posteriormente confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Às 23h29 de 30 de agosto de 2015, conforme o material da Spoofing, o procurador Roberson Pozzebom escreveu: “O que acham de denunciarmos a filha do JD [José Dirceu] por lavagem? Acabei de achar comprovante cabal que ela recebeu por fora do MILTON 250 paus”.
Trata-se de uma menção ao empresário Milton Pascowitch, cuja delação premiada baseou a acusação do MPF. Ao aceitar a denúncia contra outros personagens implicados pelos procuradores no caso, Moro afirmou haver “prova documental do fluxo financeiro, inclusive de pagamentos sub-reptícios efetuados por Milton Pascowitch em favor de José Dirceu e de Fernando Moura [empresário]”.
Outra personagem na história é Daniela Leopoldo e Silva Facchini, arquiteta responsável por uma reforma na casa do ex-ministro. Ela foi acusada pelo MPF de dissimular a origem de quase 2 milhões de reais supostamente recebidos pelos serviços e que, segundo o órgão, teriam sido repassados por construtoras.
A denúncia contra Daniela também foi rejeitada por Moro e aceita posteriormente pelo TRF-4. “Não vislumbro prova de que tinha ela [Camila] ciência de que os pagamentos provinham do esquema criminoso da Petrobras ou de qualquer outro”, argumentou o então magistrado.
Procuradores também mencionaram nos diálogos Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de Dirceu e ex-sócio na JD Assessoria e Consultoria.
“A camila fez escritura de compra e venda por R$ 500 mil, mas recebeu R$ 750. MIlton e Luiz Eduardo tb ocultaram nos depos os R$ 250 de brinde”, diz uma mensagem no acervo da Spoofing atribuída a Pozzebom.
Às 23h34, Roberson Pozzebom diz que “o homem vai ficar puto”, provavelmente em referência a Dirceu, ao que o então chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, respondeu: “Paus nela”.
Na sequência, Deltan acusa Camila de ajudar a “esconder dinheiro de crime”. Logo em seguida, ele escreve: “Resta discutir se sabia que vinha de criem [crime]”.
Pozzebom, então, rebate: “Essa prova do conhecimento específico já será mais complicada”, mas que “brinde ela sabia que não era”.
“Não precisa específico. Genérico ta bom. Embora esse seu argumento corte pros dois lados, acho que dá também”, disse, por fim, Deltan Dallagnol, já no início da manhã de 31 de agosto de 2015.
(Eventuais erros de gramática ou de digitação nas mensagens foram mantidos pela reportagem)
Trecho da decisão em que Gilmar Mendes anulou condenações de José Dirceu na Lava Jato
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