Editorial
A ONU de volta
Graças ao português Guterres, a organização reassume seu papel inicial


A Organização das Nações Unidas, herdeira da Liga das Nações, resultou da Segunda Guerra Mundial, cabendo aos vencedores ocupar o Conselho de Segurança com direito ao veto, quando houvesse reuniões chamadas a decidir os destinos da política mundial. Cinco países – Estados Unidos, Grã-Bretanha, URSS, França e China – foram convocados a cumprir esta tarefa imponente. Alguns dos secretários-gerais da entidade, conforme a fisionomia da política global naquele exato instante, tiveram papel bastante destacado.
O português António Manuel de Oliveira Guterres, atual secretário-geral, teve condições que não exigiam do secretário aquela participação decisiva reservada a outros convocados para a mesma função. Guterres ganhou por isso uma fisionomia de cavalheiro brando e a manteve por um bom tempo, ou seja, até a eclosão da grave crise a assolar o Oriente Médio. Desde o começo do conflito, Guterres passou a considerar o confronto como provocado por dois governos distintos: de um lado Israel, do outro o governo da Faixa de Gaza, espezinhado e humilhado por Tel-Aviv a despeito da proteção que recebe do Hamas a apoiar, inclusive militarmente, o povo oprimido naquele rincão soturno.
A ONU do secretário Guterres, desde o começo desta guerra insana, evitou usar em seus comunicados a palavra terrorismo, de sorte a repelir na prática a tese de Israel, a trocar desempenhos entre opressores e oprimidos, que teima em negar a evidência. Inteirado, finalmente, do seu poder e da organização por ele comandada, promoveu nos últimos dias uma reunião da Assembleia-Geral, a qual se conclui com a demanda da paralisação imediata do confronto e a execução de um plano urgente de socorro à população de Gaza.
Na moldura de uma guerra que já provocou mais de 7 mil mortos. Destes, mais de 2 mil são crianças, desaparecidas debaixo das bombas ou privadas do tratamento adequado nos hospitais onde a força elétrica foi cortada a mando judeu. Certo de comandar o povo eleito, Benjamin Netanyahu investe contra o povo islâmico com ímpetos de genocida. Tudo confirma a desoladora conclusão de que Israel de Netanyahu nada aprendeu com o Holocausto, pelo contrário aprendeu as lições da inaudita violência nazista.
A ONU de Guterres tem condições de ir além do pedido de cessar-fogo, para formular acusações precisas contra um país tão propenso a dar o mau exemplo. E o secretário-geral, neste momento, tem uma dimensão que agora o coloca em grande e merecido destaque. •
Publicado na edição n° 1284 de CartaCapital, em 08 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A ONU de volta’
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