Cultura
Vida de escritor
Raphael Montes, autor de suspenses de sucesso e roteirista requisitado, estreia também no segmento infantil


Raphael Montes, dono de uma fala animada e de uma expressão sorridente, é o criativo do século XXI por excelência. Menos por objetivo do que por vocação e persistência, ele trafega com desenvoltura e originalidade pelos diferentes formatos daquilo que, de uns anos para cá, passou a ser embalado com o nome de “escrita criativa”.
Apenas nos últimos meses, Montes, nascido no Rio de Janeiro, em 1990, lançou um envolvente suspense infanto-juvenil, A Mágica Mortal: Uma Aventura do Esquadrão Zero; apresentou, no Festival de Cinema de Gramado, o longa-metragem Uma Família Feliz, do qual foi roteirista e assistente de direção; e viu a primeira novela de sua autoria, Beleza Fatal, produzida pela HBO Max, começar a ser rodada.
“Eu era uma pessoa que queria contar suas histórias e viver disso”, diz, de forma tão direta quanto escreve, em entrevista a CartaCapital, por ocasião do lançamento de A Mágica Mortal. “Sou muito formado pela televisão. Cresci vendo novela, Tela Quente e Sessão da Tarde. Então, para mim, era natural a vontade de fazer de tudo um pouco. Morro de vontade de escrever letra de música e história em quadrinhos. Cada formato traz desafios que me interessam.”
Autor de romances policiais de sucesso, como Dias Perfeitos (2014), vendido para 14 países e em processo de adaptação pelo GloboPlay; Jantar Secreto (2017), suspense engendrado a partir dos fracassos de sua geração; e Bom Dia, Verônica (2020), transformado em série pela Netflix, Montes resolveu encarar o desafio de escrever para crianças por sugestão de Pedro Bandeira, o autor de A Droga da Obediência (1984), livro-fetiche de várias gerações de leitores no Brasil.
A Mágica Mortal: Uma Aventura do Esquadrão Zero. Raphael Montes. Seguinte (272 págs., 49,90 reais). Compre na Amazon.
Montes conta que, no fundo, sempre teve vontade de escrever livros infantojuvenis por terem sido, justamente, as obras de Pedro Bandeira e de autores da Coleção Vagalume, como Stella Carr e Marcos Rey, que o transformaram em leitor.
“Não fui incentivado a ler pelos meus pais e a lista escolar só me afastava da leitura”, diz. Os livros de aventura, nos quais estavam incluídas as histórias de Sherlock Holmes, chegaram a ele por uma tia-avó.
Ao criar uma história em que suspense, aventura e amizade infantil se enlaçam, seu maior desejo, diz, é contribuir para que crianças crescidas se tornem leitoras. “Acho que existe um certo vácuo entre o infantil e o adulto. E ler tem de ser tão legal quanto ver série, jogar videogame e jogar bola com os amigos”, diz. “O que acho mais legal na literatura é que ela nos dá variação emocional. A literatura me permitiu entrar em contato com vivências que, graças a Deus, nunca tive na vida real.”
Em A Mágica Mortal, seus personagens – e, consequentemente, seus leitores – têm, por exemplo, de lidar com a morte e a vivência do luto. “Meu grande desafio foi tomar cuidado com a descrição da violência, com palavrões e questões de sexo. De resto, escrevi como escrevo um livro adulto – se tem uma palavra que a criança não conhece, ela pergunta para a mãe, para o pai, para o professor. Tive cuidados no conteúdo, mas não na forma.”
E a forma dessa aventura que tem o ilusionismo como mote é aquela que tem feito a fama de Montes como escritor e roteirista. “Eu vejo muitas semelhanças entre fazer mágica e ser um escritor de suspense”, diz. “O escritor de suspense trabalha num jogo de mostrar uma coisa e esconder outra. Eu, no final, faço, de algum modo, um truque de mágica para revelar quem é o criminoso. A mágica, assim como o suspense, parte desse jogo de atrair a atenção para um lado e ter um truque escondido de outro.”
Escritor pop, Montes, na Bienal do Livro do Rio, encerrada no domingo 10, esteve presente em nada menos que três mesas de debates: sobre adaptações de livros para as telas; sobre A Mágica Mortal; e sobre o gênero True Crime, tão em voga. Ele participou ainda de um bate-papo promovido pela Amazon. É que foi ele quem escreveu, para a Amazon Prime Video, os filmes sobre Susane von Richtofen.
Como bom criativo do século XXI, ele também percorre, com naturalidade, o ambiente das redes sociais. Em seu Instagram, posta vídeos e fotos profissionais e pessoais, dá dicas de livros e, na medida do possível, interage com os mais de 100 mil seguidores. Ele conta que essa vivência digital remonta ao início da carreira, quando ficava surpreso e feliz ao receber retornos de leitores no Orkut e no Facebook.
“O trabalho de autor é solitário. Eu passo um ano e meio escrevendo, depois tem seis meses de edição e só uns dois anos depois eu começo a receber reações das pessoas. E eu adoro saber o que acharam dos meus livros”, diz, com sincera empolgação. “Antes, havia aquela ideia do autor como alguém recluso, mas eu, como você deve ter notado, não sou nem tímido nem silencioso.” •
Publicado na edição n° 1277 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Vida de escritor’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.