Justiça
MP apura legalidade de operação no Guarujá; entidades pedem fim da ação
Órgão instaurou um procedimento para monitorar o andamento dos inquéritos em tramitação na Polícia Civil
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) divulgou nesta sexta-feira 1º, na sede da Defensoria Pública da União (DPU) na capital paulista, a versão preliminar de um relatório sobre a Operação Escudo, que ocorre na Baixada Santista, que já culminou na morte de 24 pessoas, número que tem crescido dia após dia.
O promotor Danilo Pugliesi, do Ministério Público de São Paulo, afirmou que o correto é a instauração de um inquérito para cada uma das mortes. Para ele, isso permite que, em casos em que há suspeita de violência policial, testemunhas possam também depor ao Ministério Público, já que os depoimentos à polícia podem colocar as testemunhas em risco.
Pugliesi ressaltou, ainda, que outra medida para aumentar as chances da devida apuração dos crimes e responsabilização dos autores é o acompanhamento que o órgão faz das investigações. Por isso, instaurou um procedimento para monitorar o andamento dos inquéritos em tramitação na Polícia Civil.
“Nós também instauramos um inquérito civil na tutela dos direitos humanos, para apurar eventuais lesões decorrentes da operação”, disse, explicando que serve para averiguar se houve ilegalidade, isto é, se o modelo adotado é o que tem maior efetividade ou se representa um prejuízo à sociedade, ao violar direitos humanos.
O documento contém 11 relatos de violações de direitos humanos praticadas pelos agentes policiais e menciona episódios que vão de execuções a invasões ilegais de domicílio. A operação tem recebido críticas de entidades e movimentos sociais por abusos policiais.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) compareceu ao evento de apresentação do relatório e disse que, na próxima segunda-feira 4, irá propor, em plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a convocação do governador Tarcísio de Freitas e do secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, para prestar esclarecimentos sobre a operação.
O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), Dimitri Sales, afirmou que o governo não pretende receber defensores de direitos humanos nem responder nenhum ofício que as autoridades remetem, “porque não tem compromisso com a democracia, tem compromisso com a política de morte”.
Escalada de crueldade
Na sede da DPU, diversos moradores do litoral que presenciaram as agressões cometidas por policiais, nas últimas semanas da Operação Escudo, compartilharam o que viram e discursaram pedindo o fim da polícia e do racismo, salientando que a maioria das vítimas é negra.
Um dos moradores contou que, dias antes do assassinato de uma das vítimas, policiais já realizavam uma série de abordagens na comunidade, exigindo que residentes mostrassem documentos de identificação. Eles consultavam no sistema para verificar se tinham ou não antecedentes criminais.
A vítima, disse o rapaz durante o evento, tinha ficha na polícia, relacionada a um crime que cometeu há muitos anos e pelo qual já respondeu, e foi levada, após os policiais descobrirem esse fato, para o interior de sua casa, onde foi morta a tiros.
Outro caso que chamou a atenção, pela brutalidade, foi o de um cabeleireiro morto após sofrer torturas. Segundo o morador que narrou os acontecimentos nesta sexta-feira, a comunidade à qual a vítima pertencia já pôde entrever tragédias, pois a polícia havia endurecido as ações, dias antes do assassinato.
A pessoa que detalhou o ocorrido ponderou que, muitas vezes, a imprensa deixa de mencionar que as vítimas acabam “desfiguradas”, ou seja, deixa de citar que também foi submetida a torturas, o que importa para o entendimento em torno das operações e da conduta dos agentes. Uma fonte que conversou com a Agência Brasil revelou que, nesse caso, a vítima teve as unhas arrancadas e que estavam ainda ao lado do corpo, quando as fotografias foram tiradas pela perícia, constituindo uma cena de terror.
“É muito fácil colocar a culpa em pessoas da periferia, porque são pessoas que não têm acesso à Justiça”, afirmou Débora Maria da Silva, uma das fundadoras do Movimento Independente Mães de Maio, que perdeu o filho Edson Rogério da Silva, de 29 anos, em uma operação policial quando ele voltava para casa após visitá-la no Dia das Mães.
“Rio de Janeiro é um laboratório [de violência], mas a violência de Estado só muda de endereço”, adicionou ela, que entende que é um fenômeno que se alastra pelo país todo e que a Operação Escudo tem um nível maior de gravidade, que se percebe pelas invasões de casas sem ordem judicial.
Outro lado
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que “todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial estão em investigação pela Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] de Santos, com o apoio do DHPP [Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa], e pela Polícia Militar”.
A pasta disse que as provas, incluindo as imagens das câmeras corporais, têm sido compartilhadas com o Ministério Público e o Poder Judiciário. Além disso, novamente a secretaria afirmou que as 24 mortes resultaram de confrontos das vítimas com as forças policiais. A Operação Escudo, que completou um mês no último dia 26, somava, até esta quinta-feira (31), de acordo com a SSP, 747 prisões.
“Os laudos oficiais de todas as mortes, elaborados pelo Instituto Médico Legal (IML), foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da Lei. Em nenhum deles foi registrado sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os episódios relatados. Os documentos já foram enviados às autoridades responsáveis pelas investigações”, escreveu a pasta em nota.
“Desvios de conduta não são tolerados e são rigorosamente apurados mediante procedimento próprio. A pasta ressalta que até o momento nenhuma denúncia de abuso durante a operação foi registrada. Denúncias podem ser formalizadas em qualquer unidade da Polícia Militar, inclusive pela Corregedoria da Instituição.”
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