Política
Cid fardado na CPMI mostra que democracia manteve uma herança da ditadura, diz cientista político
Segundo Rodrigo Lentz, a Justiça tem o dever de punir envolvidos em golpismo para evitar novos ataques à democracia


A ida do tenente-coronel Mauro Cid vestindo a farda do Exército à CPMI do 8 de Janeiro mostra que a conspiração pró-golpe não é algo novo e faz parte de métodos herdados da ditadura, ainda a serem desmantelados pelas Forças Armadas no regime democrático.
A avaliação é do cientista político e professor da Universidade de Brasília Rodrigo Lentz. As declarações foram concedidas durante o programa Direto da Redação, no canal do Youtube de CartaCapital, nesta terça-feira 11.
“O buraco é muito mais embaixo. O Cid ter ido fardado e o Exército ter divulgado uma nota [justificando o uso da farda] é pedagógico. Mostram que tudo o que a gente descobriu dessa conspiração de militares do alto oficialato do Exército, inclusive dos melhores alunos, é nada mais nada menos que um fruto do profissionalismo militar herdado da ditadura e preservado pela democracia”, explicou.
Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Cid optou pelo silêncio durante seu depoimento à comissão. Ele foi questionado por parlamentares sobre conteúdos golpistas encontrados em seu celular. Nas conversas, o tenente-coronel discutia a possibilidade de uma ruptura com outros militares.
Como estratégia para driblar o silêncio, a CPMI aprovou requerimentos de quebra do sigilo telemático de Cid.
De acordo com Lentz, o principal caminho para aplacar a simpatia golpista da caserna seria instalar uma conferência sobre a política de defesa nacional, a ser responsável por deliberar estratégias para uma reforma da organização militar.
A responsabilização dos militares que conspiraram contra a democracia, acrescenta, também é importante.
“Acho que o principal ponto é estabelecer esse marco de escuta e participação da sociedade na política que vai orientar a organização das Forças. Outro caminho é responsabilizar os militares e a instituição. Seria uma grande perda de oportunidade termos, neste momento, uma ausência de medidas minimamente republicanas para submeter a instituição militar ao controle civil, do governo, democrático”, pontua.
Seis meses após a invasão aos prédios dos Três Poderes, pouco se avançou na responsabilização de militares acusados de omissão ante o quebra-quebra bolsonarista. Na avaliação do professor, as chances de punições nas instâncias da caserna são remotas.
Ele avalia, contudo, que a Justiça tem o dever de punir os envolvidos para evitar novos ataques à democracia. “Me parece que aplicar essas punições é uma questão de sobrevivência. Se o Poder Judiciário hoje não responsabilizar individualmente esses militares, sobretudo do alto oficialato, estará contratando, futuramente e muito brevemente, um novo ataque talvez mortal à instituição democrática“, afirma.
A íntegra da entrevista está disponível no Youtube:
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