

Opinião
Vou de Uber!
Todo motorista já teve uma profissão dessas antigas antes do Uber. É só perguntar


Gosto de andar de ônibus, de coletivo. Sentado na janela, vou observando e às vezes fotografando a maior cidade da América do Sul.
Tudo passa lá fora, passa tão rápido que muitas vezes a velocidade do smartphone não consegue acompanhar, captar.
Nos últimos dias, obrigado a ser fiel ao horário pontual, tenho andado de Uber, fazendo sempre o mesmo caminho, da minha casa até a clínica de fisioterapia.
Lembro-me que todo mundo tinha uma profissão. Tinha médico, engenheiro, arquiteto, advogado, professor, jornalista, psicólogo, almoxarife, enfim, profissões.
Hoje é diferente, hoje a pessoa mexe com alguma coisa. E nem pergunto mais o que você é, mas o que você faz, com o que você mexe.
O que tenho percebido é que o motorista de Uber não considera que passar o dia entre o carro, com o olho no aplicativo, levando pessoas pra lá e pra cá, é uma profissão.
Todo motorista de Uber já foi alguma coisa, já teve uma profissão, dessas antigas, antes de ser motorista de Uber. É só perguntar.
– Eu trabalhei vinte anos como advogado criminalista!
– Eu trabalhava na Ford.
– Eu trabalhei muitos anos na Faber-Castell!
Eu sempre fui almoxarife, mas fui despedido!
Outro dia, se não me falha a memória o nome dela é Maria, me contou que era comissária de bordo da Tam. Foi demitida e hoje pilota um Kwid branco 2021.
– Que curioso, eu disse. Passei dez anos voando pela Tam, duas, três vezes por semana, do São Paulo pro Rio, do Rio pra São Paulo. Com certeza, a gente já se cruzou no ar.
– Com certeza, eu fui lotada na ponte-aérea por muitos e muitos anos. E hoje estamos aqui com os pés na terra. Eu com os pés na terra, e o senhor, o senhor faz o quê?
– Eu faço um jornal chamado O Sol.
Ela riu, achou que eu estava brincando.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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