Editorial

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Os vilões e o heroi

Interpretam um capítulo da oposição à política econômica do governo, confirmam a prática da tática das fake news e empenham-se para favorecer Bolsonaro

Os vilões e o heroi
Os vilões e o heroi
As cinco figuras a compor a galeria dos horrores do programa Os Pingo nos IS não desmerecem a companhia de Roberto Civita, última personagem do conjunto, autor do Apocalipse da Editora Abril – Imagem: Manoel Amorim/Valor Econômico/Ag. O Globo e Redes sociais
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Que diria Marcelino de Carvalho de um sobrinho-neto chamado Tutinha? Refinado indivíduo, mestre da etiqueta, em juventude tido o cidadão mais elegante de São Paulo, não aprovaria aquele nome vulgar, ainda que seja o de um abastado investidor do mercado de capitais, em documentos oficiais a se apresentar como Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho. Trata-se, a bem da precisão, de um representante da corja de vilões aos olhos da equipe econômica do governo Lula.

Estão, na verdade, em companhia dos editoriais dos jornalões nativos, Estadão, Folha e O Globo, em perfeita sintonia na repulsa compacta ao governo. Com a volta de Bolsonaro à ribalta, a Jovem Pan tem novamente índices elevados de audiência e sua rádio é capitânia do grupo, a liderar o setor, São Paulo incluída, onde conta com 260 mil ouvintes por minuto e atinge 3,5 milhões por mês. Um dos momentos mais sombrios, manipulados e manipuladores da sua programação é representado por uma galeria de horrores intitulada Os Pingos no Is, na interpretação delirante de alguns indivíduos habilitados a praticar a seu modo a técnica das fake news, enquanto pisam sem dó nem piedade na língua portuguesa, brutalmente enxovalhada.

Abramo, o mestre – Imagem: Sérgio Tomisaki/Folhapress

Ressalvadas raras manifestações de bom jornalismo, este, nas nossas plagas, sempre foi dos piores do mundo. Alguns patrões que me empregaram mesmo assim foram ao menos bem-sucedidos, embora empenhados em comboiar água para o moinho da casa-grande, a facilitar a série de golpes característicos da história do País prontos a invocar o famigerado “poder moderador” a proteger a caserna contra os interesses da Nação.

Falemos dos méritos.

No caso da família Mesquita, desde quando, no século XIX, o Estadão ainda se chamava Província de São Paulo, uma reforma encabeçada por meu pai, ­Giannino, quando a redação acabava de regressar da intervenção do Estado Novo de Getúlio Vargas e se instalava em modestas acomodações da Rua ­Barão ­Duprat, no bairro árabe de São Paulo, perfumado de alfazema e gergelim, e próximo, no Parque Dom Pedro, da baleia do Mercado Municipal. Foi ali que surgiu Claudio Abramo, jovem profissional de muito futuro, vinha para traduzir uma rubrica intitulada De Um Dia Para o Outro, vertendo sobre acontecimentos do panorama internacional, então os únicos dignos de figurar na primeira página, segundo os donos do diário.

Claudio, filho de italianos, veio traduzir meu pai, que escrevia na sua própria língua. Foi assim que Claudio entrou na minha família e eu na dele. Coube-lhe ser autor de uma reforma mais profunda do jornal, até tornar-se redator-chefe, quando da transferência para o quinto e sexto andares do arranha-céu plantado no Centro da cidade, em frente à Biblioteca Municipal. Foi Claudio quem convenceu a família Mesquita a recuperar a importância do noticiário nacional, finalmente publicado na primeira página quando do suicídio de Vargas.

Marcelino de Carvalho não aprovaria o apelido do sobrinho Tutinha – Imagem: Arquivo Folhapress

Júlio de Mesquita Filho tinha três herdeiros, Júlio Neto, Rui e Luiz Carlos, ou simplesmente Carlão, e com a direção deste saiu primeiro uma edição de esportes destinada a circular nas noites de domingo e nas manhãs de segunda-feira, com a cobertura dos eventos realizados no mundo e no Brasil, graças ao emprego de uma tecnologia tida então como revolucionária ao ser transmitida, imagens e textos, pelo telefone. Foi o ensaio de algo maior, o Jornal da Tarde, a significar uma mudança profunda no estilo e na estética, bem diversos daqueles do diário original.

Rui Mesquita, com quem tinha muita afeição, deixou sobre a minha mesa um bilhete, quando me mudei para a Editora Abril, onde era convocado para dirigir o semanário Veja: “Volte quando quiser, você sempre será o filho pródigo”. Victor Civita, novo patrão, foi grande empresário, realizador muito bem-sucedido na construção de sua editora. A desgraça estava, porém, enraizada nas veleidades e estulta prosopopeia do seu primogênito, Roberto. Se dizia dono de um QI elevadíssimo, de sorte a fazer dele o mais inteligente do Brasil, de tão bem-dotado pela natureza conseguiu destruir a obra paterna. Produziu o seu próprio Apocalipse.

Enquanto a maioria dos pretensos analistas de futebol se perdem em disputas patéticas, Juca Kfouri e o filho André são excelentes exemplos de seriedade e consciência profissional – Imagem: Edilson Dantas/Ag. O Globo e Joana Berwanger/Famecos/PUC-RS

Neste universo, o noticiário esportivo frequentemente assume as feições de um ringue nas disputas entre aqueles que se dizem jornalistas, vítimas, porém, de patéticas patriotadas, das sarabandas a envolver obsessões e rivalidades insopitáveis, conquanto a significar coisa alguma. Raríssimas as exceções, tanto mais notáveis no contexto o senso de responsabilidade, a clareza e a coragem de Juca Kfouri, transmitido este acervo de qualidades ao seu filho André, e de ambos posso aduzir o parentesco com Dorian Gray e a competência profissional. Sobra o ruído das discussões inúteis, tão acirradas e vãs quanto aquelas dos atuais deputados de um Legislativo decepcionante para o ministro Flávio Dino, tanto quanto o são as diatribes entre os analistas do futebol. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os vilões e o heroi’

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