Riad Younes

riadyounes@cartacapital.com.br

Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

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O Março Azul

Para 2023, são estimados, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer, mais de 45 mil casos novos de câncer do cólon e reto no Brasil

O Março Azul
O Março Azul
Imagem: Reprodução
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O Março Azul, dedicado à conscientização em relação ao câncer colorretal, começou com a notícia da morte do cartunista Paulo Caruso para esse tipo de câncer. Para o ano de 2023, são estimados, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), mais de 45 mil casos novos de câncer do cólon e reto no Brasil. Este número, sozinho, corresponde a cerca de 10% de todos os tumores malignos.

Além disso, cerca de 20 mil brasileiros morrem anualmente em decorrência da progressão da doença. As campanhas se intensificam na direção de prevenção e diagnóstico precoce, com a esperança de reduzir drasticamente o número de mortes causadas pelo câncer colorretal.

Recentemente, foi, no entanto, publicado um estudo realizado por cientistas do Norte da Europa que colocou na mesa algumas dúvidas a respeito da eficácia da colonoscopia (endoscopia do intestino grosso, considerada o padrão-ouro na detecção precoce) em salvar vidas.

Para entender melhor o impacto desse estudo na nossa realidade, conversamos com o doutor Pedro Averbach, cirurgião especialista em coloproctologia e fundador da ONG Zoé, que, desde 2014, leva exames para detecção precoce a populações sem acesso a esses métodos. O trabalho teve início em 2014, no município de Belterra (PA), onde a população entre 50 e 70 anos foi rastreada. Este mês, a ação será expandida para ­Aveiro, também no Pará.

CartaCapital: Por que essa atenção especial ao câncer colorretal, lembrado neste Março Azul?

Pedro Averbach: Esta é uma campanha internacional que foi incorporada pelas Sociedades Brasileiras da Especialidade porque esse câncer é o segundo em incidência tanto em homens quanto em mulheres, que pode ser evitado se as medidas corretas forem tomadas e porque é curável se for diagnosticado precocemente. Além disso, e principalmente, porque ainda podemos fazer muito mais para evitar mortes por essa doença.

CC: Como é possível reduzir o número de mortes?

PA: Além de expandir o acesso aos melhores tratamentos, será preciso trabalhar na prevenção primária e secundária. A primeira compreende praticar atividades físicas, ter uma dieta rica em fibras, evitar o tabagismo, o alcoolismo e o consumo de carnes vermelhas, além de combater a obesidade. Já a prevenção secundária busca o diagnóstico precoce, antes mesmo do aparecimento dos primeiros sinais.

CC: Quem precisa fazer esses exames, e quando?

PA: Para o tumor colorretal, pessoas sem histórico familiar de câncer ou outros fatores de risco devem iniciar o rastreamento a partir dos 45 anos, mesmo na ausência de sintomas. Quando o câncer é encontrado no indivíduo assintomático e diagnosticado em estágio precoce, é maior a chance de cura e há uma redução de cerca de 70% das mortes. A realização da colonoscopia é uma das formas mais eficazes de rastreamento. Esse exame, além de constatar o tumor instalado, nos permite encontrar e tratar os pólipos, que são lesões precursoras do câncer. Ao fazermos isso, evitamos o aparecimento de mais de 50% dos casos desse tumor.

CC: Existem exames menos invasivos que a colonoscopia?

PA: Outra estratégia, menos eficiente, mas menos agressiva, seria procurar sangue nas fezes (teste para sangue oculto nas fezes). Em caso positivo, o indivíduo é, então, submetido a colonoscopia, para diagnosticar ou descartar o tumor. Em caso negativo, o exame deve ser repetido entre um e dois anos.

CC: Como é a estratégia atual no Brasil?

PA: Apesar dos benefícios comprovados do rastreamento, não há políticas públicas definidas.

CC: O que achou dos resultados do estudo europeu que lança dúvidas a respeito da colonoscopia no rastreamento de câncer colorretal?

PA: Realmente, o estudo, denominado NordICC Study, demonstrou resultados desanimadores quanto às políticas de rastreamento, indicando pequena redução no aparecimento do câncer, sem significado estatístico no que tange ao risco de morte pela doença. No entanto, a cuidadosa leitura do artigo mostra baixos índices de aderência dos voluntários. Apenas 42% das pessoas convidadas a participar se submeteram realmente à colonoscopia. Obviamente, o rastreamento só tem eficácia quando há engajamento. Por fim, a qualidade da colonoscopia é fundamental. Percebemos que boa parte dos colonoscopistas do estudo tinha baixa taxa de detecção de adenomas (os 25% recomendados). Dessa forma, os resultados do NordICC Study não devem ainda modificar a atual tendência de se estabelecerem políticas de rastreamento do câncer colorretal. Aguardemos estudos melhores no futuro. •

Publicado na edição n° 1251 de CartaCapital, em 22 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O Março Azul’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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