Opinião

Em 2 de outubro, o monstro da intolerância, da misoginia e da corrupção vai partir

Vemos um país renascendo, dançando, cantando e brincando novamente

Em 2 de outubro, o monstro da intolerância, da misoginia e da corrupção vai partir
Em 2 de outubro, o monstro da intolerância, da misoginia e da corrupção vai partir
O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Miguel Schincariol/AFP
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“Durante um argumento, faça suaves suas palavras e endureça seu coração. Não tente chicotear seu oponente mas, antes, convencê-lo.” – George Wilkins

Estamos chegando ao 2 de outubro. Que data mais esperada!

Vemos um país renascendo, dançando, cantando e brincando novamente.

O suplício já parece coisa do passado!

Mais sofremos nós depois de 1964, mais os alemães depois de 33, mais sofrerão os italianos com a malfadada vitória da extrema-direita, ontem.

Estamos quase lá, porém!

O monstro da intolerância, da misoginia, da corrupção, da homofobia vai partir, se Deus quiser!

Que dia mais esperado! Que emoção poder exprimir a própria vontade e ver seus efeitos na sociedade!

O melhor do pensamento nacional, das artes, da vida se manifestam a favor de Lula!

Escritores jovens do porte de José Falero e Julián Fuks escreveram lindos e generosos textos de apoio.

Aliás, para quem ainda não leu “A ocupação”, de Julián Fuks, da Companhia das Letras, recomendo vivamente que o faça. Trata-se de uma das melhores obras literárias dessa leva excepcional de jovens escritores brasileiros.

Ao lado disso, José Falero anunciou que seu primeiro livro “Vila Sapo” será reimpresso, já em pré-venda pela editora Todavia.

“Os supridores”, de Falero, acaba de ser lançado na França.

O clip “Vira Voto” também está imperdível, com Caetano Veloso, Martin’ália e Gal Costa, entre outros. Ao final, tem Rodrigo Hilbert e companheira se beijando e fazendo coração. Sim, temos arte e artistas engajados.

Em “Construir o inimigo e outros ensaios ocasionais” (editora Record), Umberto Eco faz referência ao poeta inglês John Keats, que viveu e morreu em Roma, citando dele “Ode a uma urna grega”: “A beleza é a verdade, a verdade é a beleza: isto é tudo o que vós sabeis na Terra e tudo o que deveis saber.”

Sempre brilhante e representando o melhor do gênio italiano, Eco se dá ao trabalho de explicar aos terraplanistas que não é possível outra leitura do Livro do Gênesis que não seja a evolucionista, darwiniana.

Nesse sentido, afirma: “…o Gênesis é um texto sutilmente darwinista, pois diz que a criação aconteceu por fases, do menos complexo ao mais complexo, do mineral ao vegetal ao animal ao humano.”

Cita, então, textualmente aquela obra sagrada: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. (…) Deus disse: ‘Haja luz’, e houve luz. Deus viu que a luz era boa e Deus separou a luz das trevas. Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. (…) Deus fez o firmamento e separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento (…) Deus disse: ‘Que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar e que apareça o continente’, e assim se fez. Deus chamou ao continente ‘terra’ e à massa de águas ‘mares’ (…) Deus disse: ‘Que a terra verdeje de verdura: ervas que deem sementes e árvores frutíferas que deem sobre a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente’ (…) Deus fez os dois luzeiros maiores: o grande luzeiro como poder do dia e o pequeno luzeiro como poder da noite, e as estrelas. (…) Deus disse: ‘Fervilhem as águas num fervilhar de seres vivos e que as aves voem acima da terra, sob o firmamento do céu’ (…) Deus criou as grandes serpentes do mar e todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas (…) Deus disse: ‘Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie’ (…) E Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança’ (…) Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo e insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.”

Sabiamente, Eco ainda agrega: “A escolha de uma batalha antievolucionista e de uma defesa da vida que chega até o embrião parece antes um alinhamento com as posições do protestantismo fundamentalista.”

Em meio a tanta sapiência, cabe a inevitável pergunta: por que os italianos elegeram a extrema-direita nas eleições de ontem?

Eu diria que o eleitorado percebeu na própria pele o colapso de um sistema político superado.

No desespero, como ocorrera no Brasil, deixa-se levar pelo canto da sereia que lhe propõe algo diverso, antisistêmico, antipolítico mesmo.

Mas de onde veio o colapso? Quais suas origens e causas?

Veio, em primeiro lugar, da brutal concentração de renda induzida pela União Europeia, acompanhada da desregulamentação da proteção trabalhista e previdenciária.

Como resultado, caiu brutalmente o poder de compra e o nível de vida da população, de tal forma que esta geração será a primeira a viver pior do que seus pais, em todo o pós-guerra.

A acumulação de renda, como no Brasil, levou a um tal empobrecimento, que esta teve de reduzir drasticamente o consumo, gerando menor produção e desindustrialização do país. Reflexos similares ocorreram na agricultura, embora a matriz familiar da agricultura italiana esteja mais voltada à produção de alimentos, inclusive com maior valor agregado, como orgânicos e processados.

Alguém se lembrou do vaticínio de que o neoliberalismo é essencialmente suicida?

Esperemos que o culto eleitorado italiano possa logo perceber que aquela é apenas uma porta larga, simplória, a qual, antes de levar ao paraíso, conduz apenas ao inferno, como as gerações que viveram sob o fascismo bem se recordam.

Mas, sobretudo, esperemos que os progressistas italianos tenham a coragem de abrir a discussão sobre o atual modelo concentrador de renda da União Europeia. Ao seu lado, terão a própria matemática, pois não teríamos atingido, em âmbito mundial, os índices extremados de concentração de renda se a UE não tivesse aportado a essa construção genocida.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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