Política
Tão perto, tão longe
Haddad desponta como favorito nas pesquisas, mas terá de minar a resistência dos eleitores do interior


Desde o fim da ditadura, o PT nunca esteve tão perto do Palácio dos Bandeirantes. Após 28 anos de hegemonia do PSDB no estado de São Paulo – e, antes dos tucanos, do PMDB de Orestes Quércia e Franco Montoro –, o petista Fernando Haddad desponta como favorito nas pesquisas de intenção de voto, tanto no primeiro quanto no segundo turno.
Diversos fatores alimentam o otimismo de lideranças do campo progressista. Ao aventurar-se no natimorto projeto presidencial, João Doria deixou o governo com uma rejeição recorde, a ponto de o correligionário Rodrigo Garcia evitar a todo custo qualquer associação com o padrinho. A despeito da poderosa máquina tucana no interior do estado, parcela expressiva do eleitorado conservador (ou reacionário) está disposta a votar no ex-ministro Tarcísio Freitas, o candidato de Jair Bolsonaro na disputa.
Além disso, após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, o antipetismo que deu a tônica das eleições de 2016 e 2018 perdeu muito de sua força. “O PT recuperou fôlego, até por culpa do mau desempenho de Bolsonaro”, observa o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo e colunista do site de CartaCapital.
Nem por isso o especialista acredita em uma disputa fácil para o partido. A grande dúvida é quem vai disputar o segundo turno, e o impasse entre Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio Freitas (Republicanos) não é casual. Haddad espera enfrentar o ex-ministro na etapa decisiva, na expectativa de que parcela significativa do eleitorado tucano vá rejeitar o candidato de Bolsonaro nas urnas. Caso o oponente seja Garcia, parece improvável uma migração de votos bolsonaristas para o PT. Mesmo que a fortuna sorria para o petista, com um adversário supostamente mais fácil de bater, não há garantias nesse cálculo político. “Haddad representa uma ruptura imensa. O cansaço que Bolsonaro causou em muita gente pode ser um fator de abertura maior para o PT, mas esse eleitorado não vai deixar de ser conservador só porque pegou birra do Bolsonaro”, avalia Couto.
Alckmin e França prometem gastar sola de sapato nas cidades paulistas, para alavancar a campanha do petista
Diferentemente do ocorrido no Rio de Janeiro, ao menos as legendas do campo progressista deixaram as diferenças de lado e se uniram em torno de um objetivo comum. A chapa de Haddad é bastante diversa, enfatiza o deputado estadual Emídio de Souza, um dos coordenadores da campanha petista. “É uma coalizão ampla, a abarcar tanto a esquerda tradicional quanto figuras do centro, a exemplo de Geraldo Alckmin e Marina Silva.”
Márcio França, do PSB, e Guilherme Boulos, do PSOL, abriram mão da corrida ao Palácio dos Bandeirantes para fortalecer a chapa de Haddad, que terá como vice Lúcia França, educadora e empresária casada com o ex-governador França. O desafio, agora, é convencer o eleitorado do interior do estado, mais religioso e refratário às pautas progressistas, que mesmo com um petista à frente do governo, as mudanças não serão tão radicais.
O tucano Rodrigo Garcia conta com a poderosa máquina estadual e com o apoio de numerosos prefeitos – Imagem: Pablo Jacob
Nessa estratégia, Alckmin ocupa um papel central. Espera-se que o pessebista, ex-governador de São Paulo e vice de Lula na corrida presidencial, gaste sola de sapato pelas cidades paulistas, usando o prestígio conquistado ao longo de duas gestões no estado, para mostrar que participa desse projeto. De acordo com Souza, Alckmin foi bem recebido pelo PT e está integrado. “O Haddad está vendo a possibilidade de ganhar o governo do estado e sabe que, em alianças, é preciso fazer concessões.”
Segundo o deputado, as agendas conjuntas começaram a ser marcadas há pouco tempo, mas estão previstas viagens de Haddad, Alckmin e França para o litoral, primeiro no Vale do Ribeira e no Vale do Paraíba, e na sequência para o interior. “Acho que temos outra configuração hoje, o PSDB não é imbatível no interior. Aliás, em muitas regiões está perdendo espaço para o Tarcísio. Há uma divisão clara entre eles, não é mais um bloco coeso. E, nesse ponto, o governador do PSDB que teve mais prestígio no interior foi o Alckmin.”
De acordo com a pesquisa Real Time Big Data, divulgada na quarta-feira 3, Haddad figura com 33% das intenções de voto. Tarcísio de Freitas e Rodrigo Garcia aparecem com 20% e 19%, respectivamente. Como a margem de erro é de 3 pontos porcentuais, os dois estão tecnicamente empatados. No segundo turno, o petista tem 10 pontos de vantagem sobre o ex-ministro da Infraestrutura e 8 em relação ao governador tucano, que assumiu o comando do estado após Doria se afastar para tentar disputar a Presidência da República. O enrosco é que, em ambos os cenários, o porcentual de indecisos é superior a 15%.
Tarcísio Freitas disputa com Garcia uma vaga no segundo turno, mas não resistiu ao cacoete de atacar o PT no debate da Band
No momento, parece estratégico tanto para Haddad quanto para Freitas buscar desgastar a imagem de Garcia. O petista, como mencionado anteriormente, deseja enfrentar o candidato de Bolsonaro no segundo turno. O ex-ministro tem uma razão bem mais óbvia: é o tucano quem ameaça roubar a sua vaga na etapa decisiva. Mas, como nem sempre o óbvio é bem compreendido, Freitas revezou com Garcia nos ataques a Haddad no primeiro debate entre os candidatos na tevê, promovido pela Band no domingo 7. “Procure no Google quem foi o pior prefeito de São Paulo”, sugeriu o ex-ministro à plateia. “Procurem também a palavra ‘genocida’”, rebateu o petista.
“O ex-ministro parece não conseguir se livrar do cacoete bolsonarista do antipetismo, insiste nesses ataques mesmo contrariando o interesse momentâneo”, observa o cientista político João Feres Jr., coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e da Esfera Pública da Uerj, em recente entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube. “Repare que ele não discutiu política pública no debate. Limitou-se a atacar o ‘inimigo’ e passou o resto do tempo enumerando obras que sua pasta fez.”
Estratégia não é o forte do poste de Bolsonaro – Imagem: Renato Pizzutto/Band
Na avaliação de Vera Chaia, cientista política da PUC de São Paulo, a disputa segue aberta. O esvaziamento do PSDB abre espaço para o bolsonarismo, uma vez que o antipetismo ainda afeta a figura de Haddad, ainda que em menor proporção. “Se o PSDB era muito forte no estado de São Paulo, quando Doria se elegeu prefeito e saiu do cargo para disputar o Palácio dos Bandeirantes, a gente começa a ver o partido se esvaindo, consumido pelas disputas entre seus caciques. Não é mais aquele PSDB do passado, embora ainda tenha forte presença no interior.”
Ainda que o antipetismo continue aceso no interior, o cenário não chega a ser favorável a Freitas. Segundo Chaia, a rejeição a Bolsonaro é alta mesmo entre os eleitores de perfil conservador. Em parte, acrescenta, isso explica o comportamento dúbio do candidato do Republicanos: ora está colado em Bolsonaro, ora busca se distanciar da imagem do presidente, de acordo com as circunstâncias.
Na tentativa de atrair os eleitores identificados com pautas da direita, o atual governador quer mostrar serviço, sobretudo na área de segurança pública. Desde que assumiu o governo, a Polícia Militar tem intensificado as ações de repressão na Cracolândia, que sempre atraem os olhares da mídia. O ex-ministro de Bolsonaro, por sua vez, tem intensificado a sua agenda com os evangélicos. E recorre a aliados, como o ex-ministro Marcos Pontes e a deputada federal Carla Zambelli, ambos do PL de Bolsonaro, para estreitar relações com os líderes religiosos. Recentemente, Pontes e Zambelli participaram, na companhia do ex-capitão, de um encontro com pastores da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Tão perto, tão longe “
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