Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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A agonia do PSDB

O apoio a Bolsonaro traduz a decomposição moral e política do partido que se diz social-democrata

A agonia do PSDB
A agonia do PSDB
Foto: Reprodução/Redes Sociais João Doria e Bolsonaro em tempos de paz. Foto: Redes Sociais
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A história recente do PSDB constitui um manual quase perfeito acerca de como os dirigentes destroem um partido. A legenda surgiu em 1989 como dissidência do PMDB. O seu caráter consistia em ser um partido parlamentar, situado na esfera do Estado, com um eixo programático centrado nos compromissos democráticos, com ideias acerca da reforma do Estado e sua modernização, apostas em algumas políticas sociais e com foco no combate à inflação. Surgiu sem um enraizamento social, mas atraiu a simpatia de amplos setores das classes médias.

No governo durante oito anos com FHC, o PSDB seguiu o caminho que um grande número de partidos segue quando chega ao poder: sofreu uma corrupção (degradação) dos princípios originários e dos conteúdos programáticos e se transformou em um partido preponderantemente de interesses particularistas ligados aos cargos, recursos públicos, privilégios, estruturas de poder etc. Perdeu a vitalidade e as virtudes.

Como partido de oposição aos governos petistas, o PSDB foi frágil, não encontrando um eixo orientador de seu oposicionismo. Mas, com o passar do tempo, foi se deslocando cada vez mais para a direita. Ao questionar as eleições de 2014 e ao assumir o impeachment contra Dilma, deu um passo significativo para o abandono dos compromissos democráticos. A culminância desse processo de decomposição política e moral ocorreu nas eleições de 2018 e durante o governo Bolsonaro.

Naquela eleição, o PSDB apoiou ­Bolsonaro, principalmente no segundo turno, tendo como símbolo desse apoio o BolsoDoria. Durante o atual governo, a maior parte da bancada apoia Bolsonaro. Quer dizer, o partido apoiou um candidato e depois um presidente que defende ditaduras e ditadores, torturas e torturadores, a violência política como método, fuzilamentos, incluindo o do próprio FHC, ataques recorrentes ao Estado de Direito e às instituições democráticas.

Ninguém pode alegar desconhecimento de quem é Bolsonaro. Então fica a questão: o que aconteceu com um partido que tem no nome o termo “social-democracia”, que tem como dirigentes históricos líderes que foram perseguidos pela ditadura e lutaram pela redemocratização? Como pode parcela significativa desse partido apoiar um político de extrema-direita e fascistoide? O mesmo vale para setores do MDB, um partido que tem sua história ligada à luta contra o regime militar. Chega a ser espantoso como setores dessas duas legendas renegam e traem o próprio passado partidário.

Uma das explicações desse fenômeno talvez se encontre no fato de que os partidos, tal como existiram no século XX, são hoje uma realidade em decomposição e em extinção. Nas sociedades pós-industriais – tecnológicas e de serviços – eles tendem a não representar mais setores sociais específicos. No Brasil esse quadro se agrava porque os partidos foram e são quase todos inorgânicos. Mas, diante deste novo quadro, as tradicionais identidades pelo nome das siglas e outras simbologias, parecem perder relevância. Veja-se o que aconteceu na França. Sem entrar num mérito valorativo, o fato é que, aqui no Brasil, agora, as Federações Partidárias aceleram esse processo. A própria fusão do PSL e do DEM no União Brasil também entra nesse caso.

Ocorre que os partidos, além de não se vincularem mais à representação de setores sociais específicos, também deixam de lado a ideia de um projeto de país, de um programa nacional. As organizações e composições tornaram-se fluidas, impermanentes. Elas se estruturam com a finalidade de capturar parcelas de eleitores para ocupar um espaço de poder nos Parlamentos, nos cargos públicos e no sistema de privilégios políticos, fundos partidários e nacos orçamentários.

Nesses termos, verifica-se, ao menos em alguns segmentos políticos, um crescente desinteresse pela disputa da Presidência da República, por exemplo. Se a preocupação central não é mais com o projeto nacional, mas com cargos, privilégios e verbas, então parece fazer mais sentido ter bancadas fortes. Assim, partidos do Centrão que se agregam em torno de Bolsonaro pensam menos nele e mais no tamanho de suas bancadas. Partes do MDB, do PSDB, do PSD, e assim por diante, pensam nos mesmos termos. Esse processo leva ao insulamento autárquico dos partidos, à morte da democracia de partidos, ao abandono das massas e à captura do Estado como um terreno de mera disputa de poder, privilégios, verbas e fundos pelos grupos que se organizam em formas partidárias voláteis para realizar essas capturas. Os grandes perdedores desse processo são as massas, a sociedade como um todo e, principalmente, os mais pobres. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A agonia do PSDB”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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