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A inflação das commodities

Estoques reguladores contra a exasperação dos preços

A inflação das commodities
A inflação das commodities
(Foto: iStock)
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A finança global, ainda convalescente de suas façanhas e percalços de 2007/2008, lambe os beiços diante dos choques de oferta que machucam as economias do planeta. No fragor dessas desgraças, os rapazes financeiros se agitam ao antecipar as perspectivas de crescimento das operações nos mercados futuros de commodities.

Em princípio destinados a promover a diversificação dos riscos, ou seja, oferecer proteção aos agentes do mundo real contra as imprevisibilidades da precificação de commodities executadas pelos mercados, os derivativos ganharam vida própria e se transmutaram em formas financeiras que abrem espaço para manobras especulativas de enorme potencial instabilizador.

Já escrevi neste espaço generosamente cedido por CartaCapital: em 2017, os contratos futuros (paper barrel) negociados nos mercados de Londres e Nova York movimentaram um valor 23 vezes superior àquele registrado no mercado físico (wet barrel). No mundo acarpetado pelas novas formas financeiras, as relações entre demanda e oferta de petróleo não podem ser avaliadas conforme critérios tradicionais. A formação de preços está sempre acompanhada por movimentos especulativos que sujeitam os mercados da preciosa matéria-prima à amplificação das flutuações que caracterizam os auges e derrocadas dos preços de ativos.

Os acontecimentos recentes mostram que os “mercados” tendem a exasperar a volatilidade dos preços diante de expectativas de desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. Esses derivativos ateiam gasolina ao fogo nos períodos de alta e, na baixa, jogam mais água do que o necessário na fervura.

A inflação do petróleo e dos alimentos voltou com força redobrada e bate forte no lombo dos cidadãos. Na ausência de uma política de coordenação da oferta – mediante estoques reguladores para as commodities agrícolas e fundos de estabilização para o petróleo –, os Bancos Centrais recorrem à elevação da taxa de juros para debelar a inflação. Mal comparando, isso equivale a tratar um desconforto estomacal com um forte analgésico para dor de cabeça. Tão forte que o paciente desaba nos braços de Morfeu.

Nos anos 1920, Keynes operou com perdas e ganhos nos mercados futuros de commodities. O economista italiano Luca Fantacci registrou cuidadosamente a trajetória de John Maynard Keynes como operador nesses mercados:

“Uma enorme cota dos investimentos de Keynes foi em commodities agrícolas, como trigo e milho, mas também no setor mineral, especialmente cobre, estanho e chumbo; Keynes detinha ações em empresas de mineração americanas de ouro e diamante e em empresas de refino e mineração para a produção de derivados de petróleo. Ele operou principalmente na Bolsa de Valores de Londres e em Wall Street, mas também nos mercados em que diferentes commodities eram negociadas através de contratos futuros”.

No correr dos anos, Maynard consolidou sua convicção acerca dessas operações e suas tendências em exasperar a volatilidade dos preços diante de desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. Segundo Keynes, os mercados de matérias-primas e alimentos são inerentemente instáveis: uma mudança na demanda dificilmente pode ser atendida no curto prazo por uma mudança adequada na oferta, uma vez que a nova produção leva tempo e o armazenamento da produção realizada tem custos elevados.

Para erigir uma linha de defesa contra os desequilíbrios momentâneos entre oferta e demanda, Keynes propôs o armazenamento público de ­commodities em estoques reguladores, organizado sob a gestão de uma agência pública internacional. Sobre as razões que impediriam o mecanismo de mercado de fazer isso, Keynes respondeu: “O sistema competitivo, em sua forma irrestrita, é o mecanismo perfeito para garantir o mais rápido e, ao mesmo tempo, o mais implacável ajuste entre oferta e demanda. Diante de qualquer mudança nas condições, se a demanda flutuar, surge imediatamente uma divergência entre o interesse geral na formação dos estoques e o que é mais vantajoso para cada produtor individual”.

“A Commod fixaria os preços em um nível mínimo razoável (garantindo a renda dos produtores e o conforto dos consumidores) e esses valores seriam modificados de tempos em tempos, com base na tendência observada na variação de estoques, para cima ou para baixo. Não seria tecnicamente difícil estabelecer uma relação entre os valores ‘básicos de sustentação’ e o ­complexo de preços atuais, porquanto os movimentos de preços nos mercados futuros sinalizariam a atuação correta para o comitê de especialistas.”

Este artigo foi elaborado a partir de ­textos já publicados pelo autor. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A inflação das commodities”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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