Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

O que Maynard diria sobre a queda vertiginosa do preço do petróleo?

As manchetes estampam o susto de produtores e consumidores com a incursão dos preços da valiosa commodity no território negativo

Foto: Mark Felix / AFP
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Dizem os frequentadores que nas salas e corredores do King’s College, em Cambridge, Inglaterra, ainda ressoa a indagação da professora Joan Robinson, uma das herdeiras intelectuais de Keynes: “ O que Maynard diria?” Maynard, o leitor já sabe, é John Maynard Keynes.

Maynard, imagino, estaria aflito com a queda vertiginosa do preço do petróleo. As manchetes estampam o susto de produtores e consumidores com a incursão dos preços da valiosa commodity no território negativo. Seria possível ocorrer alguma transação no mercado físico em que o comprador recebe dinheiro do vendedor para adquirir a mercadoria?

A finança global, ainda convalescente de suas façanhas e percalços, cuidou de submeter os preços à vista no mercado físico às turbulências e flutuações das operações nos mercados futuros de petróleo. Em princípio destinados a promover a diversificação dos riscos, ou seja, oferecer proteção aos agentes do mundo real contra as imprevisibilidades da precificação de ativos e commodities executadas pelos mercados, os derivativos ganharam vida própria e se transmutaram em formas financeiras que abrem espaço para manobras especulativas de ordem superior.  As apostas nos mercados futuros com índices de commodities são, hoje, exemplos escandalosos e aberrantes dessa “inversão” que submete as políticas econômicas a constrangimentos e a conflitos nada triviais.

As posições dos operadores nos mercados futuros dobraram nos anos 2000. Esse aumento das atividades nos futuros foi apontado com a causa principal causas dos voláteis preços do petróleo, tanto pelos players da indústria petrolífera quanto pela academia. O aumento das posições especulativas -apostas de comprados e vendidos a respeito da evolução dos preços em uma data futura – foi atribuído em grande parte à Lei de Modernização dos Futuros de Commodities (CFMA) de 2000, que flexibilizou a regulação nos mercados futuros nos Estados Unidos. Londres, o cachorrinho de madame dos States seguiu o dono.

Em 2017, por exemplo, os contratos futuros ( paper barrel) negociados nos mercados de Londres e Nova York movimentaram um valor 23 vezes superior àquele registrado no mercado físico (wet barrel). No mundo acarpetado pelas novas forma financeiras, as relações entre demanda e oferta de petróleo não podem ser avaliadas conforme critérios tradicionais. A formação de preços está   sempre acompanhada por movimentos especulativos que sujeitam os mercados da preciosa matéria-prima   à amplificação das flutuações que caracterizam os auges e derrocadas dos preços de ativos.

Tempos atrás, não muitos, um editorial do Financial Times reconhecia que “no novo regime é inevitável uma maior volatilidade do preço… o problema surgirá certamente quando um declínio na demanda chinesa ou um aumento da oferta provocarem uma queda no preço spot. Nesse caso, novos contratos   deverão ser adotados para encorajar um desenvolvimento consistente (?) do sistema.”

Pois foram esses contratos futuros que sofreram forte desvalorização, empurrados ladeira abaixo pelo crescimento dos estoques, o que afeta o ritmo de produção e aponta para dificuldades futuras de se realizar o preço da valiosa commodity, ou seja, transformar o seu valor em dinheiro.

Talvez uma visita ao capítulo XVII da Teoria Geral de Maynard possa ajudar. Escolhi um parágrafo que, imagino, seja útil esclarecer o leitor: “A retribuição total que se espera da propriedade de um bem, durante certo período, é igual ao seu rendimento menos o seu custo de manutenção mais o seu prêmio de liquidez, ou seja, q c + l. Em outras palavras, q – c + l é a taxa de juros (remuneração) específica de qualquer bem, onde q, c e l se medem em unidades de si mesmos como padrão.”

Seja como for, nas tropelias do Coronavírus, a avaliação do mercado para o ativo/mercadoria petróleo, informa: q encolheu, – c, o custo do carrego, assumiu um valor espantoso e l, o prêmio de liquidez evaporou. É bom insistir: -c, o custo de carrego, implodiu e enfiou o valor esperado, o desempenho futuro, do ativo/mercadoria no buraco.

Os acontecimentos recentes mostram que os “mercados” tendem a exasperar a volatilidade dos preços diante de expectativas de desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. Esses derivativos ateiam gasolina ao fogo nos períodos de alta e, na baixa, jogam mais água do que o necessário na fervura. A “deflação” do petróleo voltou com força redobrada. Mas os analistas, em geral, olham para outro lado quando se trata de avaliar a importância dos mercados futuros de commodities.

Na aurora da crise financeira, Willem Buiter, hoje economista-chefe do Citigroup, apontou as armas da crítica na direção dos sistemas financeiros “intrinsecamente disfuncionais, ineficientes, injustos e regressivos, vulneráveis a episódios de colapso”, um exemplo de “capitalismo de compadres”, sem paralelo na história econômica do Ocidente. “É uma questão interessante, para a qual não tenho resposta… Não sei se os que presidiram e contribuíram para a criação e operação [desse sistema] eram ignorantes, cognitivamente e culturalmente capturados ou, talvez, capturados de forma mais direta e convencional pelos interesses financeiros”.

Seja como for, Maynard ficaria chocado com uma mudança que poderá ampliar assustadoramente os intervalos de flutuação do preço de uma commodity tão importante como o petróleo. Pouca gente sabe, mas Keynes advogou, no espírito da Nova Ordem Econômica Internacional do pós-guerra, a criação do General Council of Commodity Controls destinado a atenuar as excessivas flutuações de preços de commodities, lesivas aos países produtores e consumidores, danosas à estabilidade das economias. Isso seria feito mediante uma política de gestão de estoques, coordenada por um comitê de especialistas formado por representantes dos países produtores e consumidores.

“Um agência internacional seria constituída, a Commod Control, com representantes dos governos dos principais países produtores e consumidores. A Commod fixaria os preços em um nível mínimo razoável (garantindo a renda dos produtores e o conforto dos consumidores – LGB) e esses valores seriam modificados de tempos em tempos, com base na tendência observada na variação de estoques, para cima ou para baixo. Não seria tecnicamente difícil estabelecer uma relação entre os valores “básicos de sustentação” e o complexo de preços atuais, porquanto os movimentos de preços nos mercados futuros sinalizariam a atuação correta para o comitê de especialistas”.

Keynes reconhece que a formação de preços deveria decorrer da interação entre as informações do mercado e a agência internacional incumbida de manejar os “estoques reguladores”, com o propósito de aplainar as flutuações agudas e garantir a estabilidade das expectativas nos mercados de commodities.

*Esse artigo foi publicado anteriormente para explicar as flutuações agudas nos preços do petróleo

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