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Adeus às armas
Nascido das costelas do IRA, o Sinn Féin torna-se o maior partido da Irlanda do Norte


Michelle O’Neill e Mary Lou McDonald entraram no centro de apuração de Magherafelt no sábado 7 como a realeza republicana atrás de uma comitiva de admiradores e ativistas animados, todos ansiosos para desfrutar o momento da vitória do Sinn Féin. Um caminho que provavelmente começou em 1981, quando Bobby Sands, grevista de fome do IRA, o Exército Republicano Irlandês, ganhou uma cadeira em Westminster e colocou o partido em um percurso eleitoral, levou a esta arena esportiva cavernosa no condado de Derry, no dia em que o partido que quer abolir a Irlanda do Norte tornou-se o maior do país. Com as armas há muito descartadas, apenas as urnas deram ao Sinn Féin a vitória na eleição para a Assembleia.
Francie Molloy, parlamentar do Sinn Féin por Mid Ulster e ativista veterano, narrou as cenas com arrebatamento. “Uma vida inteira a esperar por este dia”, disse. “Foi uma grande mudança. Agora precisamos construir o que será a Irlanda do futuro.” O’Neill, vice-líder do partido e primeira-ministra designada, imediatamente procurou acalmar aqueles que temem que a vitória apresse a saída da Irlanda do Norte do Reino Unido e prometeu se concentrar em preocupações básicas. Ela fez, no entanto, uma referência codificada à pressão da legenda por um referendo sobre uma Irlanda unida. “Hoje inaugura-se uma nova era, que acredito apresente a todos a oportunidade de reimaginar os relacionamentos nesta sociedade.”
Sobre sua mensagem ao unionismo, McDonald, líder do partido, respondeu: “Não tenha medo. O futuro é brilhante para todos nós”. McDonald lidera a oposição no Parlamento de Dublin e é amplamente vista como futura primeira-ministra. Enquanto continuava a contagem para a atribuição dos últimos assentos, ficou claro que o Sinn Féin, com 29% dos votos de primeira opção, ultrapassou o DUP (Partido Democrático Unionista), que conquistou 21,3%, por dois assentos na tarde de sábado. Isso significa que o partido republicano de toda a Irlanda teria o direito de nomear O’Neill como a primeira premier nacionalista da Irlanda do Norte.
Ao subir ao pódio para aceitar a declaração formal para o eleitorado de Mid Ulster, O’Neill evitou ser triunfalista e prometeu trabalhar para todos. “Meu compromisso é fazer a política funcionar. Meu compromisso é trabalhar em parceria, não em divisão. Os eleitores exigem cooperação, exigem entrega”, disse, antes de pedir ao DUP que “apareça para trabalhar na segunda-feira” e deixe de lado seus protestos sobre o protocolo do Brexit por enquanto. “Há uma urgência em restaurar um Executivo para começar a pôr dinheiro de novo no bolso, para começar a consertar o serviço de saúde”, declarou à horda da imprensa e a uma falange de simpatizantes do Sinn Féin.
A agremiação defende a saída do Reino Unido e a integração à Irlanda
A escala da vitória do partido deixou os unionistas em alguns centros de apuração visivelmente atordoados. Embora o voto unionista tenha sido dividido em três partes, “não foi totalmente catastrófico para o DUP”, disse Jon Tonge, professor de política na Universidade de Liverpool. Tonge acrescentou, no entanto, que sua “coroa está perdida”, pois agora eles devem enfrentar uma Assembleia onde serão o segundo maior partido na coalizão obrigatória de compartilhamento de poder.
Foi um dia preocupante para Doug Beattie, líder do Partido Unionista do Ulster (UUP), que entrou na sétima apuração depois de oferecer um programa mais liberal e progressista, que no seu entender atrairia um eleitorado emergente de unionistas seculares, menos interessados na política do verde contra o laranja.
Esses votos foram desviados para o partido Aliança, o outro grande vencedor das eleições, que saltou para 13,5% das primeiras opções e provavelmente dobrará o total anterior de oito assentos. Esses ganhos foram em grande parte à custa do UUP, do Partido Social-Democrata e Trabalhista (SDLP), nacionalista moderado que perdeu grande parte do apoio, e do Partido Verde, cuja líder, Clare Bailey, perdeu o assento. “É o furacão da Aliança”, disse um ativista do partido.
O “bebê da casa”, Eóin Tennyson, de 23 anos, o mais jovem deputado eleito e o primeiro representante da Aliança, pelo Upper Bann, capturou o momento enquanto engasgava em seu primeiro discurso como deputado. “Sempre me disseram que a política na Irlanda do Norte (…) sempre seria laranja e verde. Acho que destruímos essa narrativa”, concluiu.
“Eu realmente não gosto dos unionistas ou dos nacionalistas. Eu gostaria de ver um partido para a Irlanda do Norte, não para a divisão”, disse a eleitora estreante e estudante de engenharia Natasha Nesbitt, de 19 anos. “Sinto que a Irlanda do Norte está bem atrasada em questões como o aborto. Espero que, quando a minha geração for mais velha, o Sinn Féin e o DUP caiam e outros subam.” Sob as regras de compartilhamento de poder no Acordo da Sexta-feira Santa, o Sinn Féin, o DUP e a Aliança, e possivelmente outros partidos que possam superar o limite, têm oito dias para formar um novo Executivo, mas até 24 semanas para fazê-lo sob as novas leis assinadas em Londres.
O líder do DUP, sir Jeffrey Donaldson, deixou clara a posição do partido: ele não entrará em um Executivo até que o protocolo, o acordo pós-Brexit que implanta uma fronteira comercial no Mar da Irlanda, seja reformado. Isso, com efeito, coloca Boris Johnson em alerta: Stormont ou o protocolo.
Sem um primeiro-ministro e um vice-primeiro-ministro, o Executivo não pode funcionar plenamente, com os ministros limitados a continuar, mas sem fazer novas políticas, e incapazes de aprovar orçamentos ou introduzir reformas de saúde muito necessárias.
Fontes graduadas do DUP disseram que buscarão uma cúpula urgente com o primeiro-ministro britânico para transmitir a mensagem de que seu boicote pode colocar a Assembleia em pausa até o Natal. Se nenhum Executivo for formado, o secretário da Irlanda do Norte deve convocar uma nova eleição, que por sua vez deve se realizar em 12 semanas, o que empurraria as chances de um governo totalmente descentralizado para dezembro.
O DUP enfrenta ainda outro dilema urgente. Após a proibição do duplo emprego, Donaldson terá de decidir se permanecerá como deputado britânico ou assumirá seu novo assento na Assembleia irlandesa e forçará uma eleição especial para Westminster. •
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Adeus às armas”
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