Política
Fogo amigo
A disputa pelo Senado estremece as relações de aliados tanto no campo lulista quanto no bolsonarista


A renovação de somente um terço das cadeiras nas próximas eleições e o quadro de polarização entre Lula e Bolsonaro em nível nacional transformaram em jogo de xadrez a escolha dos nomes que disputarão o Senado em outubro. Acirradas batalhas para definir a composição das chapas acontecem em diversos estados, mas o Rio de Janeiro destaca-se graças a um fratricida embate interno, à esquerda e à direita, que movimenta figuras carimbadas e políticos emergentes dos campos lulista e bolsonarista. A disputa promete influenciar de forma decisiva até mesmo a eleição para o Palácio Guanabara, até aqui polarizada, segundo as pesquisas, entre o governador Cláudio Castro, do PL, e o deputado federal Marcelo Freixo, do PSB. Oficialmente, a campanha nem começou, mas o clima é de guerra, com direito a muito fogo amigo.
Sempre presente entre os parlamentares mais votados no estado, o deputado federal Alessandro Molon, do PSB, aparece em terceiro lugar na disputa pelo Senado, com 8% das intenções de voto, segundo a mais recente pesquisa, e disputa espaço no palanque de Lula com o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano, do PT, deputado estadual que viu seu poder e prestígio crescerem exponencialmente nos últimos anos. Ceciliano, em quinto lugar na pesquisa feita pela Genial/Quest, com 5%, é o nome confirmado na chapa de Freixo, com a bênção de Lula, mas sua postura, assim como a de Molon, revela que o jogo está longe de ser pacificado: “Lula me garantiu que não irá para outro palanque que não seja o do Freixo e não vai apoiar outro candidato ao Senado que não seja eu”, diz o presidente da Alerj. Ele diz respeitar Molon, mas não esconde que espera ver o pessebista enquadrado pelos caciques nacionais: “As direções nacionais do PSB e do PT vão se entender nos próximos 15 dias”.
Molon não se intimida. “O PSB sabe que, para garantirmos uma grande vitória para Lula no Rio, é preciso também derrotar os candidatos bolsonaristas ao governo do estado e ao Senado. Todas as pesquisas mostram que os nomes apresentados pelo PSB – o do Freixo para o governo e o meu para o Senado – são os que têm de longe mais chances de cumprir essa missão. Juntamente com Lula, podemos derrotar Bolsonaro, Castro e Romário no Rio”, diz. O parlamentar rejeita o rótulo de “terceira via”, embora não tenha descartado uma candidatura independente. E espera ter o apoio de Lula: “Nossa pré-campanha é 100% Lula e o PSB é o principal aliado do PT na histórica tarefa de derrotar o bolsonarismo, reconstruir o Brasil e voltar a dar dignidade ao nosso povo. Não há razão para eu não esperar o Lula batalhando a meu lado pelos votos dos fluminenses”.
Molon quer Lula no palanque, mas o candidato do PT é André Ceciliano, eclético articulador
Segundo um dirigente petista, a coisa não é tão simples. “O candidato de Lula é o Ceciliano. Os dois estão cada vez mais próximos, têm ótima interlocução e Lula conta com a força do deputado, que é ex-prefeito de Paracambi, no interior do estado. Além disso, Ceciliano não saiu do PT na hora da dificuldade e Lula preza muito isso.” A alfinetada tem como alvo Molon, ex-petista que depois foi para a Rede antes de ingressar no PSB. Na última semana, o PT jogou pesado nos bastidores e avisou ao PSB que, em caso de insistência de Molon, sairá da coligação formal em torno de Freixo. O candidato ao governo continuaria contando com o apoio e a presença de Lula, mas a saída do PT reduziria drasticamente o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na tevê, além de limitar o uso da imagem de Lula em material de campanha impresso.
Publicamente, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, enviou uma carta ao presidente do PSB, Carlos Siqueira, na qual cobra o cumprimento do acordo político no Rio. “Conforme tratativas anteriores, venho reiterar que o PT apoiará Marcelo Freixo, mantendo o entendimento inicial de indicar o candidato ao Senado na chapa, que será o companheiro André Ceciliano”, diz um trecho da carta. A deputada diz acreditar em um acordo pela retirada do nome de Molon: “Esta é a chapa da aliança nacional entre PT, PCdoB, PV, Rede, PSOL e PSB. As candidaturas de Lula, Freixo e Ceciliano representam a unidade e a diversidade desta ampla frente”.
Candidato a ser batido, segundo a pesquisa Genial/Quest, que o coloca em primeiro lugar com 29% das intenções de voto, o senador Romário recentemente trocou o Podemos pelo PL para ter mais tempo de tevê e recursos para a campanha. Busca a reeleição, mas precisará primeiro driblar os zagueiros na área bolsonarista. Contra ele pesa o fato de que uma chapa puro-sangue com Bolsonaro e Castro, todos do mesmo partido, fecharia portas para apoios nos municípios. Além disso, a instabilidade política do neobolsonarista, que trocou várias vezes de sigla, faz com que muitos queiram articular uma chapa com um bolsonarista “raiz”.
Com isso, crescem as possibilidades de uma candidatura ao Senado do deputado federal Daniel Silveira, do PTB, catapultado à condição de herói da extrema-direita após receber o perdão de Bolsonaro à pena de prisão imposta pelo STF. Em ato do dia 1º de Maio no Rio, Silveira, que tem a declarada simpatia do presidente, foi anunciado ao microfone como “nosso futuro senador” e “o homem que vai explodir o STF”. Já Romário tem dito a interlocutores contar com o apoio do presidente. “O candidato do Bolsonaro sou eu”, repete à exaustão. Procurado por CartaCapital, Romário não retornou o contato até a conclusão desta reportagem.
Romário apresenta-se como o candidato do Planalto, mas Daniel Silveira é visto como um bolsonarista “raiz” – Imagem: Jefferson Rudy/Ag.Câmara e João Ricardo/PTB na Câmara
Embora Freixo e Castro estejam polarizando a pré-campanha, o cenário das eleições no Rio é historicamente instável e tudo ainda pode mudar, o que traria reflexos na disputa pelo Senado, alerta o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio. “Estes dois candidatos serão competitivos, mas não descartaria a possibilidade de um terceiro nome. A definição dos candidatos que irão ao provável segundo turno só se dará na reta final, assim como a escolha do senador. O eleitor ainda não está envolvido com a campanha”, avalia. Ele cita um exemplo que tem potencial para embaralhar o jogo: “Ainda não se sabe se Marcelo Crivella será candidato. Segundo as pesquisas, Romário lidera com certa folga a disputa para o Senado, mas seguido de perto por Crivella. É preciso aguardar as convenções partidárias que acontecem em junho”.
O ex-prefeito do Rio figura com 16% das intenções de voto na pesquisa Genial/Quest. Seu partido, o Republicanos, ainda não definiu o que fazer nas eleições. Embora entre as lideranças regionais a volta ao Senado seja vista como uma possibilidade concreta e desejável, a orientação da direção nacional do partido presidido pelo deputado Marcos Pereira é que Crivella saia como puxador de votos para a Câmara dos Deputados. Como trunfo junto a Bolsonaro, ele tem a forte influência sobre o voto evangélico, que corresponde a um terço do eleitorado no Rio.
O cenário é dinâmico e conta até mesmo com prováveis defecções no campo bolsonarista, uma vez que muitos prefeitos e deputados dos partidos que compõem a base de Castro não escondem seu entusiasmo com a candidatura de Ceciliano. Conhecido pelo bom trânsito com políticos de diferentes vertentes, o presidente da Alerj deu o pontapé inicial em sua campanha em um ato que lotou uma casa de shows na Baixada Fluminense. No palco, Ceciliano reuniu um leque de parlamentares e prefeitos que ia do PT e PCdoB até o PROS e o União Brasil: “Temos seguidores de muitas correntes aqui. Vamos unificar o Rio de Janeiro”, disse, provocando efusivos aplausos dos políticos presentes.
A desenvoltura de Ceciliano causa apreensão em pessoas próximas a Freixo. A notória proximidade do petista com o governador faz com que se articule uma nova vertente que atravessa o já complicado tabuleiro da formação de alianças: “Ganha corpo a cada dia a campanha informal em apoio à trinca Lula, Castro e Ceciliano. Ela crescerá, sobretudo, no interior, já que Castro vem forte por conta dos investimentos que fez a partir da privatização da Cedae. Embora não vá dizer isso publicamente, o candidato do Castro ao Senado talvez seja o Ceciliano. O governador vê com simpatia a associação a Lula, que é feita a partir do Ceciliano. Tem muita gente na política do Rio, inclusive na esquerda, que não acredita em uma vitória de Freixo”, diz um observador privilegiado, que prefere não ser identificado. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Fogo amigo”
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