Política

Campanha Fora Bolsonaro tem futuro indefinido em 2022

Movimentos sociais que compuseram a coordenação de protestos em 2021 ainda não decidiram os rumos das mobilizações neste ano

Campanha Fora Bolsonaro tem futuro indefinido em 2022
Campanha Fora Bolsonaro tem futuro indefinido em 2022
Campanha Fora Bolsonaro realizou protestos massivos em 2021. Foto: Reprodução/CartaCapital
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Após coordenar a realização de seis manifestações contra o presidente da República em 2021 (29 de maio, 19 de junho, 3 e 24 de julho, 7 de setembro e 2 de outubro), além de cooperar com atos de servidores públicos em 18 de agosto e de organizações antirracistas em 20 de novembro, a Campanha Fora Bolsonaro ainda não tem uma data para iniciar a retomada das mobilizações neste ano.

As forças políticas que compõem a Campanha não chegaram a se reunir em janeiro e preveem voltar às conversações em fevereiro. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, duas grandes coalizões de movimentos sociais, devem realizar reuniões internas até o fim deste mês.

Lideranças ouvidas por CartaCapital afirmaram que, em uma reunião de dezembro do ano passado, houve um acordo para manter em 2022 o espaço de articulação entre os movimentos sociais fundado a partir da Campanha. Há de se rever, porém, as estratégias que podem ser adotadas diante de um ano eleitoral e do recrudescimento da pandemia.

Segundo avaliações de coordenadores, os protestos do ano passado resultaram em um saldo positivo para o campo progressista. Os atos teriam servido para desgastar o presidente Jair Bolsonaro (PL) e, ao mesmo tempo, mover os holofotes para as forças de esquerda, no momento em que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ascendia como opositor do ex-capitão.

Os organizadores também creem ter engrossado a resistência contra o ímpeto autoritário do governo, ao rechaçar a ameaça de militares às eleições e a proposta de instituir o voto impresso. Além disso, os protestos teriam somado esforços com a CPI da Covid e pressionado o governo a acelerar a vacinação.

Por outro lado, a bandeira do impeachment evidentemente fracassou,  ante a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de manter na gaveta os mais de cem pedidos de abertura de processo.

Junto a isso, o ano terminou com aumento na taxa de desemprego, fechando com 14,3 milhões de brasileiros nessa condição, e com a continuidade do dramático cenário de fome.

Não somente: o fim conjunto da CPI e dos protestos coincidiu com a volta dos ataques frontais do governo federal à vacinação, atrasando em semanas a imunização de crianças de 5 a 11 anos.

Sobram motivos para que a Campanha retorne à ativa, mas, sem o mote do impeachment, organizadores ainda não se decidiram sobre como isso se daria.

Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, cita as tradicionais datas de 8 de março, Dia da Mulher, e 1º de maio, Dia do Trabalhador, como agendas de mobilização contra Bolsonaro neste ano.

“Em 2022, fora o dia 8 de março e o dia 1º de maio, provavelmente não tenha dias nacionais de mobilização e de protestos como teve em 2021”, declarou o líder da CMP a CartaCapital. A organização é da Frente Brasil Popular e apoia a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição deste ano.

Questionado se somente essas datas seriam insuficientes para organizar a população em torno de pautas programáticas que pressionem os candidatos nas eleições, Bonfim diz considerar que são questões distintas.

“Não é muito tradicional no Brasil a população se envolver, em termos de massa, a discutir programas de governo, infelizmente. Agora, são coisas diferentes: uma coisa são as datas de mobilização em 8 de março e 1º de maio, outra coisa é o papel que os movimentos sociais terão na campanha”, afirma.

Segundo ele, a CMP defende a publicação de um documento com uma plataforma de reivindicações às agendas eleitorais, como a taxação de fortunas, a revogação da reforma trabalhista, da Previdência e do teto de gastos, a instituição de políticas para a reforma agrária, programas de transferência de renda, entre outros pontos.

“Isso pode ser debatido em atos e no dia a dia”, declarou. “Nós estamos defendendo que os movimentos sociais elaborem um conjunto de propostas que nós defenderemos no processo eleitoral. Por exemplo, no 8 de março e no 1º de maio, essas mobilizações poderão ter um caráter de falar: ‘olha, os movimentos sociais defendem essa pauta’.”

Bonfim acrescentou: “A disposição da Frente Brasil Popular, da Central de Movimentos Populares e da própria Campanha Fora Bolsonaro é manter a pegada de mobilização, sobretudo no primeiro semestre, contra o governo Bolsonaro, não com o tema do impeachment, mas contra a sua política antidemocrática e de elevação da miséria.”

Campanha Fora Bolsonaro realizou atos nacionais em seis datas de 2021. Foto: Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Lideranças indicam divergências

Atnagoras Lopes, secretário-geral da Central Sindical e Popular Conlutas, considera que os movimentos sociais estão perdendo tempo ao não iniciar as mobilizações desde já.

Para ele, as organizações deveriam estar dedicando esforços, por exemplo, para apoiar o calendário dos servidores públicos, que fizeram protestos em 18 de janeiro e apontam para uma greve em fevereiro.

“Acho que a Campanha vai retomar. O que vai ter debate, nuances e diferenças é que tipo e grau de mobilização. Para se ter esse termômetro, é necessário que em caráter de urgência se tenha essa reunião”, opinou.

Na avaliação dele, a Campanha deve se revigorar com o retorno das atividades do Congresso, quando grandes debates em tramitação devem voltar ser travados nacionalmente.

No quesito eleitoral, Lopes considera que não há unidade para que a Campanha adote uma bandeira a favor da eleição de Lula. Somente a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” deve ser mantida.

Juliana Donato, da Resistência Feminista do PSOL, que compõe a Frente Povo Sem Medo, crê que a Campanha deve marcar reuniões em fevereiro e defende a realização de mobilizações além das datas de 8 de março e 1º de maio.

“Seria um erro muito grande da esquerda entrar no clima de ‘já ganhou’ a eleição”, afirmou. “Pode ocorrer uma recuperação de popularidade do Bolsonaro ou medidas autoritárias do governo. E a gente tem uma leitura de que o bolsonarismo é mais do que Bolsonaro. A gente só derrota a extrema-direita nas ruas.

Ela defende ainda a construção de um programa e a formação de uma frente eleitoral de esquerda para pautar reivindicações nas manifestações, como a revogação da reforma trabalhista.

Porém, essa questão deve demandar uma discussão mais profunda. Para Donato, a possibilidade de que o ex-tucano Geraldo Alckmin entre na chapa de Lula como vice pode ser um entrave para a construção dessa frente nas ruas, já que, conforme ela descreve, o ex-governador “tem um passado contra os movimentos sociais”.

Como há diferentes estratégias e níveis de engajamento na coordenação da Campanha, Donato considera que podem existir diferentes visões sobre os benefícios ou malefícios de organizar atos massivos neste ano para a campanha eleitoral do campo progressista.

“Depende do campo progressista que se fala. Se você quer construir um campo progressista amplo, talvez não valha a pena para o Lula se identificar como uma figura, digamos, só da esquerda. Quando ele fala que vai fazer aliança com o Alckmin, na minha opinião é uma sinalização de que ele quer fazer uma coisa mais ampla, e talvez não valha a pena ele se identificar diretamente com as mobilizações de esquerda”, analisa.

Fernando Guimarães, líder do Direitos Já – Fórum pela Democracia, uma aliança que dialoga com setores à esquerda e à direita, tem a expectativa de que as mobilizações da organização comecem a partir de março.

O coletivo participou da coordenação dos protestos de 2 de outubro e chegou a articular o apoio de figuras à direita. A ideia depois disso era realizar um ato contra Bolsonaro no início deste ano, no formato de um festival de apresentações culturais, mas o projeto foi suspenso com o avanço da variante Ômicron.

A organização também tem a perspectiva de realizar seminários ao longo do ano e de mobilizar, na primeira quinzena de agosto, um ato internacional, mas ainda caminha na projeção do evento.

Guimarães diz que o coletivo não deve anunciar apoio a nenhum candidato à Presidência, mas seguirá em oposição a Bolsonaro e em diálogo com as forças da Campanha.

“A continuidade do Bolsonaro representa a continuidade de um projeto fascista e não-civilizatório que, em nome da democracia, precisa ser derrotado”, afirmou.

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