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Pesquisa científica sofre golpe com temor de cortes de bolsas na Capes

Mesmo em meio à pandemia da Covid-19, que deixa clara a importância da ciência e pesquisa, órgão altera critérios de distribuição de bolsas

Pesquisa científica sofre golpe com temor de cortes de bolsas na Capes
Pesquisa científica sofre golpe com temor de cortes de bolsas na Capes
Foto: Rede social Capes
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O mundo está ansioso à espera de uma vacina ou de um medicamento que ofereça uma saída à pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 45 mil pessoas em 187 países. Cientistas de todo o planeta correm contra o tempo para encontrar a arma capaz de derrotar o ser microscópico causador da Covid-19. Mas no Brasil, a linha de frente da pesquisa científica está tendo que dividir seus esforços com a preocupação de uma possível perda de bolsas.

No último dia 18 de março, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou uma portaria que altera os critérios de distribuição de bolsas do órgão. A medida, segundo a diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), agrava ainda mais o cenário de já defasagem no orçamento da agência e no quantitativo de bolsas, penalizando especialmente os programas mais novos e com conceito 3 e 4. 

O ataque, entretanto, não ficou sem reação. Mestrandos, doutorandos, pesquisadores e professores se uniram na campanha #NenhumaBolsaaMenos para pedir que a portaria 34 seja revogada imediatamente. A mobilização se concentra em torno de um abaixo-assinado hospedado na plataforma Change.org, que em duas semanas recebeu o reforço de 170 mil apoiadores. A pressão já fez o Ministério Público Federal (MPF) se manifestar sobre o tema. 

Na manifestação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas recomenda que a Capes revogue ou suspenda a portaria, ressaltando que a “abrupta suspensão da concessão de bolsas” ocasionará danos ao direito à educação de futuros mestrandos e doutorandos. No despacho, o procurador do Rio Grande do Sul considera, ainda, que a agência não divulgou o número exato de bolsas cortadas e nem a motivação para isso. 

“A medida em questão, se não revogada imediatamente, prolongará o clima de pânico e desesperança entre os pós-graduandos e aprofundará as desigualdades já existentes entre programas de pós-graduação, áreas de conhecimentos e regiões brasileiras”, é o que pondera a Associação Nacional de Pós-Graduandos, criadora do abaixo-assinado online. O manifesto da ANPG é endossado pelas vozes de diversas entidades acadêmicas e científicas do país.  

Desvalorização da ciência 

“Mesmo em um cenário de profunda crise na economia e saúde pública com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil, situação que se torna ainda mais grave pelos cortes na educação, ciência e saúde, o governo Bolsonaro parece ignorar e penaliza ainda mais aqueles que estão na linha de frente da pesquisa científica brasileira: os pós-graduandos”, destaca trecho da petição online lançada pela associação.  

A Capes é uma fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC), pasta que ao longo do ano passado teve mais de R$ 6 bilhões de seus recursos contingenciados pelo governo, levando a um corte de mais de 11 mil bolsas na agência de fomento à pesquisa. Depois que parte da verba foi desbloqueada, algumas bolsas foram reativadas. A perda, entretanto, restou para quase 8 mil bolsas de pós-graduação – mestrado e doutorado. 

A portaria 34 assombra novamente pós-graduandos e pesquisadores, responsáveis pela produção de 90% da ciência brasileira, mas que há anos denunciam sua desvalorização e situação em que produzem: sem direitos trabalhistas e previdenciários, com defasagem no valor das bolsas e escassez de recursos. Mesmo nessas condições, seguem gerando conhecimento científico e tecnológico que ajuda a sociedade brasileira em todos os setores. 

Pandemia mostra necessidade de investimento em ciência e pesquisa (Foto: Geraldo Bubniak/AEN/Fotos Públicas)

“Os pós-graduandos no país estão produzindo ciência de qualidade, como aqueles que estão diretamente trabalhando para combate ao novo coronavírus, seja sequenciando em tempo recorde o genoma viral ou construindo modelos matemáticos para prever a incidência da doença ou em tantas outras pesquisas importantes de caráter regional e nacional”, enfatiza a diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduandos na página do abaixo-assinado.   

A portaria, assinada pelo presidente da Capes, Benedito Aguiar Neto, determinou a revisão dos pisos e tetos da redistribuição de bolsas, sujeitando uma diminuição de 10 a 50% para os cursos de acordo com suas notas. Na internet, alunos e universidades denunciam perdas de bolsas já concedidas em decorrência do remanejamento na distribuição do fomento, além do comprometimento de pesquisas e incerteza sobre o que será dos pesquisadores.

Na campanha #NenhumaBolsaaMenos, a ANPG frisa, ainda, que não houve diálogo entre o conselho superior da agência e as entidades acadêmicas e científicas para a publicação da medida. “Não houve um debate amplo e democrático entre todos os setores interessados sobre os impactos e consequências do novo modelo na pós-brasileira”, diz. 

Agência nega cortes

Em duas notas postadas em seu site, a Capes afirma que a portaria não mudou os indicadores do modelo publicado anteriormente e que não houve cortes de bolsas no total geral da concessão de 2020, mas o aumento de 3.386. A agência explica que a portaria assegura a aplicação de regras isonômicas, com critérios objetivos mensuráveis.  

“Não foi feito corte algum, muito pelo contrário. Em fevereiro de 2020, quando a CAPES anunciou o modelo de concessão de bolsas, havia ao todo 81.400 bolsas no País, distribuídas por mais de 350 instituições de ensino superior – públicas e privadas – que abrangiam mais de 7 mil cursos. Um mês depois, em março, com a implementação do modelo, este número passou para 84.786 benefícios para mestrado e doutorado”, diz o comunicado. 

A Capes é uma fundação ligada ao Ministério da Educação (Foto: Divulgação)

A nota alega que a adoção do novo modelo “não vai retirar a bolsa de estudantes que têm, atualmente, o benefício”, mas trará reduções de futuras bolsas para uma parte dos cursos. “De acordo com as portarias, os cursos de pós-graduação historicamente mal atendidos passam a receber mais bolsas. Por outro lado, aqueles que vinham recebendo, há anos, cotas em patamar muito fora da curva em relação aos padrões isonômicos, terão diminuição”. 

No comunicado, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior diz entender que as reclamações sobre as mudanças de limites de piso e teto, estabelecidas pela portaria 34, são naturais, mas “revelam uma visão parcial do problema”.

#NenhumaBolsaaMenos

Além da revogação da portaria, a ANPG pede na campanha a liberação do sistema para indicação dos novos bolsistas e renovação dos já implementados, e recomposição dos fomentos perdidos em 2019, com reajuste. A entidade ainda destaca que, qualquer debate sobre um novo modelo de distribuição de bolsas, deve considerar a recomposição do orçamento da ciência, tecnologia e educação a patamares de 2014, valorização dos programas de menor conceito e melhoria das condições de trabalho dos mestrandos e doutorandos.

O abaixo-assinado segue aberto e reunindo mais apoiadores através da Change.org. A petição faz parte de um movimento de enfrentamento do coronavírus lançado pela plataforma para dar mais visibilidade às campanhas relacionadas ao tema. A página reúne mais de 170 petições, que totalizam 2,3 milhões de assinaturas em prol de causas sobre a Covid-19. 

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